Título: Na favela-piloto, 76% ainda à espera
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 02/05/2010, O País, p. 3

Quinta do Caju foi das primeiras a receber programa; só 23,6% receberam título

Erguida em terras que um dia já foram da União, às margens da Baía de Guanabara, na Zona Portuária, a comunidade Quinta do Caju foi uma das primeiras do país a receber a política de regularização fundiária do programa Papel Passado. O processo na região, embora tenha conquistado avanços, demonstra como pode ser vagaroso o trabalho de conceder a famílias o que elas nunca haviam visto, mas sempre sonharam: escrituras definitivas de suas casas.

Dos 864 domicílios da comunidade, foram emitidas até hoje 204 (23,6%) escrituras para os moradores. Em dezembro de 2004, Olívio Dutra, então ministro das Cidades, esteve no local para uma solenidade do programa de regularização dos lotes ao lado do então prefeito Cesar Maia.

A festa foi organizada para que as autoridades entregassem os documentos aos moradores, dois anos depois de anunciado o projeto. Cinco anos se passaram, e a execução ainda é baixa.

Moradores da Quinta do Caju, que abrigou a antiga casa de banhos D. João VI, reclamam da burocracia e ainda têm muitas dúvidas.

Iraydes Pinheiro Henriques, contadora aposentada de 68 anos que presidiu a associação de moradores local por cerca de 20 anos, lutou durante todo esse tempo para que as casas existissem no papel. Antes de se pensar num programa nacional de regularização, ela estava à mesa com o ex-presidente Fernando Collor, em 1990, na Casa da Dinda, numa das reuniões que ele organizava com representantes de movimentos sociais para tratar de diversos temas.

¿ Ali começou uma negociação com a União para resolver a questão dos lotes. Anos depois o governo federal cedeu as terras para a prefeitura. Mas vários moradores ainda não receberam os documentos. Os que conseguiram sentem dificuldade porque falta informação.

Há casos em que a escritura foi feita sobre o terreno e não sobre a casa construída ¿ conta Iraydes, que conseguiu todos os documentos, mas não tem na escritura a metragem quadrada equivalente ao que foi construído.

¿Não temos no papel o que construímos¿, reclama moradora da Quinta do Caju Já o marinheiro aposentado pela Petrobras Pedro Carlos de Freitas, de 49 anos, não obteve documento algum. Depois de períodos de viagens ao exterior a bordo de petroleiros, Freitas tenta regularizar sua casa. Ele admite, no entanto, que não confiava no programa do governo por falta de informação: ¿ Pensei que isso tivesse um fundo político, por isso não procurei saber.

Na casa da auxiliar de serviços gerais Georgina Monteiro Luiz, de 57 anos, a confusão é tanta que ela resolveu apelar para a Defensoria Pública. A escritura da casa registra apenas 47,15 metros quadrados, mas a construção tem três pavimentos. No habite-se, constam 129 metros quadrados.

¿ Ficamos inseguros porque não temos, no papel, o que construímos. Fui uma vez à prefeitura e me disseram que custaria quase R$ 2 mil para modificar o documento. Por isso pedi ajuda para a Defensoria Pública, mas até hoje não consegui uma resposta ¿ reclama.

Sobre a queixa de que falta informação, a Secretaria municipal de Habitação, responsável por tocar o programa no local, informou, em nota, que foram feitas ¿diversas assembleias, nas quais foram distribuídas cartilhas explicativas de todo o processo¿. Segundo a secretaria, os serviços envolveram pesquisa fundiária, base cartográfica, levantamentos topográficos, entre outros, para a entrega das escrituras. ¿Desde 2004, a secretaria vem transmitindo aos moradores o domínio útil da terra que ocupam. Quanto às benfeitorias, a Secretaria Municipal de Urbanismo vem atuando no sentido de conceder o habite-se de forma gratuita