Título: Escreveu, mas não escriturou
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 02/05/2010, O País, p. 3
Lançado por Lula em 2003, programa para legalizar moradias atinge só 13% da meta
Criado em 2003, primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o programa Papel Passado, destinado a dar títulos de propriedade a famílias que moram em áreas carentes, tinha a meta de beneficiar um milhão de famílias até 2006. Passados sete anos e com três anos de atraso em relação à meta inicial, porém, apenas 136 mil famílias têm, em mãos, os títulos de suas propriedades registrados em cartório ¿ 13% do que havia sido prometido. Entram na conta beneficiários de ações diretas do governo federal e de estados e municípios, onde a União entrou com algum recurso. Apesar disso, a pré-candidata do governo à Presidência, a exministra Dilma Rousseff, disse na pré-campanha que ¿tranquilamente¿ é possível zerar o déficit habitacional no país em dez anos.
Segundo dados oficiais, outras 234 mil famílias já receberam o documento, mas falta o registro cartorial. No total, existe 1,6 milhão de processos abertos, a maioria ainda sem conclusão.
Segundo o Ministério das Cidades, de 2004 até agora, o governo investiu R$ 50 milhões no programa.
Esses recursos são repassados a prefeituras, estados, defensorias públicas e até a associações de moradores para acelerar a legalização das residências. Além da verba da União, o programa prevê apoio técnico.
No Estado do Rio, 122.905 famílias iniciaram o processo de regularização. Na capital, há 55.260 processos iniciados. O ministério não informou quantas pessoas receberam o registro no Rio.
Entre as grandes favelas cariocas incluídas no programa estão Rocinha, Alemão, Manguinhos, Pavão/Pavãozinho e Vidigal. Em alguns desses locais o governo também planeja obras de urbanização.
O diretor da Secretaria de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Celso Santos Carvalho, reconhece a demora. Segundo ele, é impossível prever quanto tempo leva para que todas as etapas da regularização sejam cumpridas.
Na melhor das hipóteses, diz, dois anos.
Há casos que duram mais de sete.
¿ É uma corrida de obstáculos. A gente conseguiu simplificar um pouco com a lei de regularização fundiária, mas quando se trata de dar propriedade para um pobre no Brasil tudo é mais difícil ¿ diz.
Entre as dificuldades, estão a falta de documentos dos beneficiários e até má vontade dos cartórios.
Além da legalização das propriedades, o processo de regularização passa por adequação à legislação ambiental e urbanística. A questão do risco em que as residências se encontram é sempre considerada, diz Carvalho.
¿ Onde for possível ficar, vai sendo feita a regularização. E, quando há risco, as pessoas são removidas ¿ esclarece.
Ex-secretária de Habitação de Natal, Diana Motta executou um programa de regularização de vilas na capital potiguar para acomodar pessoas que viviam em área de risco. Ela reclama da burocracia no processo: ¿ Temos que superar gargalos para agilizar a tramitação da regulamentação de propriedades no Brasil. Alguns procedimentos poderiam ser simplificados.
Caminhos para mais irregularidades
Para a coordenadora de Estudos Urbanos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Maria Piedade Morais, o fato de só um pequeno percentual das famílias ter recebido as escrituras das casas demonstra que o programa não é prioritário para o governo.
¿ A prioridade do governo é fazer obras visíveis, e esse programa não faz obra. Está no discurso do governo, mas não é prioridade, basta ver a alocação de recursos, que é baixa. Não é a menina dos olhos do governo, do Lula e da Dilma.
Ele (o programa) está muito mais no plano da retórica do que da ação ¿ avalia.
A pesquisadora diz que dar escrituras para moradores de áreas ocupadas irregularmente não é solução, mas um remendo para um problema que não foi atacado na origem. Ela defende políticas públicas que previnam a formação dos loteamentos, em vez de tentar legalizá-los depois que estão consolidados.
¿ A expectativa de que tudo vai ser regularizado cria caminhos para mais irregularidade. É um paliativo. O ideal seria uma política habitacional para o público de baixa renda. ¿ pondera.
A urbanização das favelas consta como meta do PAC, que previa R$ 15 bilhões para asfaltamento, encanamento e esgoto. O PAC-2 prevê, para os próximos quatro anos, investimentos de R$ 35 bilhões para essa finalidade