Título: Soluções inadiáveis para o sistema penal
Autor:
Fonte: O Globo, 02/05/2010, Opinião, p. 6
A decisão do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), de elaborar um projeto de monitoramento com tornozeleiras eletrônicas para soltar 80 mil presos, encorpa as preocupações com a grave crise do sistema penal. Este mês, o ex e o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, fizeram duras críticas à estrutura da Justiça criminal: Gilmar, adepto do monitoramento de apenados em regime semi-aberto, observou que os presídios não cumprem a função correcional, e que ¿são apenas depósitos de seres humanos¿; Peluso diagnosticou a virtual falência do sistema e sentenciou que os casos de afronta aos direitos humanos dentro das cadeias ¿são crimes do Estado contra o povo¿.
A expressividade das fontes de tais manifestações contra as condições carcerárias do país dá a medida de um problema que, por crônico, precisa entrar na agenda de priorid
des. As cadeias brasileiras são um caldeirão em ebulição, e isto não é novidade ¿ o que só torna mais grave a leniência com que a questão vem sendo tratada. A população carcerária brasileira, que cresce a uma taxa de 7,3% ao ano, praticamente dobrou na última década, passando de 232 mil em 2000 para 473,6 mil em 2009. Se é verdade, como alega o Depen, que o ritmo de aumento da população carcerária torna inócuos investimentos que visem a equiparar o nível de ampliação da estrutura prisional às taxas de aumento do número de presos, não é menos real que, em face do agravamento da situação, tímidas têm sido as medidas adotadas pelo poder público para não só fazer frente à crescente demanda de apenados, como para melhorar as condições de vida daqueles que já estão cumprindo penas.
A construção de unidades prisionais é a solução certa e mais óbvia para atender à demanda, mas ao mesmo tempo é a de mais difícil ¿ e lenta ¿ execução, em face dos custos financeiros ou em razão de inapetência política do Estado para enfrentar a questão. Há, com certeza, ações alternativas possíveis para problemas concretos.
Umas estão no terreno da possibilidade, como a adoção do monitoramento de presos ou o recurso a penas alternativas para reduzir a sobrecarga populacional dos presídios; outras, no entanto, se impõem por inadiáveis, como a configuração efetivamente correcional do sistema e o aperfeiçoamento de dispositivos, na alçada da Justiça criminal, que diferenciem condenados de alta periculosidade dos sentenciados por crimes menores.
O caso específico do monitoramento eletrônico, que não pode ser saída para superlotação de presídio, deve ser visto também pela ótica das falhas da Justiça criminal. Adotar o sistema nas atuais condições, em que o benefício da progressão de pena é aplicado indistintamente, é porta aberta para a negação do pressuposto do sistema penitenciário ¿ ou seja, manter na prisão aqueles que, além de contas a ajustar, não podem ter convívio social. Para isso, o sistema precisa ser aperfeiçoado.
Deve-se tirar das prisões quem nelas não merece, ou não mais precisa estar, manter encarcerados os condenados cuja soltura afronta a sociedade e, sobretudo, criar condições para que os presídios sejam casas efetivamente correcionais, e onde haja respeito à dignidade humana. E construir mais cadeias