Título: Empreitada oficial
Autor: Oliveira, Eliane; Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 02/05/2010, Economia, p. 39

Construtoras dominam setor de infraestrutura, que recebeu R$ 48 bi do BNDES em 2009

A disputa das construtoras pela sociedade na usina de Belo Monte evidencia a posição estratégica que as empreiteiras conquistaram no crescimento da infraestrutura e dos negócios brasileiros e no plano nacional de integração no exterior.

As empresas deixaram de ser mestres de obras ¿ apenas encarregadas da engenharia civil dos empreendimentos ¿ para se consolidarem como grandes investidoras.

Detêm as mais importantes concessões nas áreas de energia, transportes e telecomunicações, investem em petróleo e comandam indústrias cimenteiras, siderúrgicas, de calçados e petroquímicas. Somente no ano passado, os desembolsos do BNDES para o setor de infraestrutura somaram R$ 48,6 bilhões, montante 285% superior ao que foi liberado em 2002.

As construtoras planejam ainda audacioso desembarque em segmentos que vão da construção naval à administração de estádios da Copa de 2014, passando pela montagem de uma grande empresa de investimentos em empreendimentos 100% nacionais.

As empreiteiras passaram, desta forma, da condição de meras contratadas para concessionárias ou controladoras.

Hoje, nenhum setor tem atuação tão diversificada e com capital e acesso a financiamentos.

¿ Pode-se dizer que o setor tem, atualmente, um peso para a economia brasileira semelhante ao da Petrobras ¿ acredita o economista e professor da Unicamp, Júlio Gomes de Almeida.

Este peso é altamente financiado pelo Estado. O setor abocanhou boa parte dos R$ 48,6 bilhões liberados pelo BNDES em obras nos segmentos de energia, telecomunicações e transportes, principalmente.

¿ Na América Latina, o Estado sempre foi um grande demandador de obras, sobretudo as de custos elevados ¿ disse José Carlos Matias Pereira, do Departamento de Economia da UnB.

¿ É comum a participação do Estado nesses grandes empreendimentos, estratégicos ¿ reforçou o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, Paulo Safady

`Crédito oficial ajudou muito¿

Desde as privatizações, na década de 1990, o setor vem se fortalecendo.

As empreiteiras foram também as primeiras brasileiras a se internacionalizarem, diante da falta de obras de infraestrutura no Brasil nas décadas de 80 e 90. Esta conjuntura, impulsionada pelo projeto de desenvolvimento do governo Lula, culminou na expansão dos tentáculos das construtoras.

Segundo o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, esse movimento, relativamente recente, atingiu grandes e médias empresas voltadas à construção de obras públicas.

Muitas entraram nas concessões de serviços públicos e outras expandiram as atividades, como a Odebrecht na petroquímica e a Andrade Gutierrez em telecomunicações.

A Camargo Corrêa participa da construção da usina de Jirau, no Rio Madeira, e detém a maior participação no bloco de controle da CPFL Energia.

Participa dos controles da Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR), da Usiminas, atua no mercado brasileiro de cimento e concreto com a marca Cauê, está na Alpargatas e é líder no sistema ferroviário argentino.

A Odebrecht está em 35 países.

Presta serviços à indústria de petróleo e gás, opera plataformas e investe em exploração e produção.

Na química e petroquímica, atua em resinas através da Braskem.

A Andrade Gutierrez é um dos maiores grupos privados da América Latina nos setores de engenharia, telecomunicações, energia e concessões públicas.

Tem presença em Europa, Ásia e África. Participa do controle da Oi e está nas áreas de processamento de dados e de cartões de crédito.

Na construção pesada, a Mendes Júnior está nos setores rodoviário, ferroviário, metroviário, hidrelétrico, termelétrico, petróleo, dutos, saneamento e irrigação. Faz parte do consórcio que venceu a licitação de Belo Monte, com Queiroz Galvão. Esta atua em perfuração e produção de óleo e gás, cultivo e beneficiamento de alimentos.

E está associada com empresas na concessão de serviços públicos, além de siderurgia e engenharia ambiental.

¿ O capitalismo exige empresas capacitadas para enfrentar grandes problemas. Isso só se consegue quando os atores são de grande porte, por causa da competição ¿ destacou o presidente do Conselho de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e diretor da Odebrecht, José de Freitas Mascarenhas.

Com estratégias próprias, as empresas são assediadas por estrangeiros.

No exterior, preferem associações de curto prazo em algumas obras. No Brasil, são sondadas para empreendimentos do PAC, como o trem-bala.

¿ A diversificação das construtoras se deve ao fato de conhecermos o negócio, a infraestrutura, sabermos quanto custa, e de as oportunidades, desde as privatizações, terem crescido de forma exponencial. As linhas de crédito oficiais ajudaram muito ¿ avaliou Sergio Mendes, da Mendes Junior.

A expansão dos tentáculos das empreiteiras pelo mundo é evidente quando se observam os números do BNDES. Em dez anos, os desembolsos para exportações de serviços de engenharia, construção e tecnologia da informação aumentaram de US$ 84 milhões em 1999 para US$ 1,4 bilhão.

¿ O BNDES apoia exportações há 20 anos, mas estamos assistindo a esse movimento, mais vigoroso, na última década ¿ disse a superintendente de Comércio Exterior do banco, Luciane Machado.

América Latina e África são os principais mercados das construtoras.

Mas as empresas vêm conquistando Ásia e Europa. A engenharia civil ainda é o foco, mas a cabeça de investidor cada vez mais rende bons resultados. Maior empreiteira do Brasil, a Camargo Corrêa, por exemplo, comprou por US$ 1 bilhão em 2005 a empresa Loma Negra, na Argentina ¿ que tem 48% do mercado local de cimento. A Camargo Corrêa está em cerca de 20 países.

As grandes obras, porém, são o fio condutor da inserção internacional. Os pontos fortes são barragens de hidrelétricas, estradas, ferrovias e dutos.

A Andrade Gutierrez, por exemplo, tem diversificado os mercados para além do latino-americano (no Equador, fez empreendimentos como estrada, oleoduto, duto transportador e aquaduto).

Foi pré-qualificada para uma licitação de barragem no Egito. Tem ne