Título: Herança da hiperinflação limita queda de juros
Autor: Duarte, Patrícia ; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 02/05/2010, Economia, p. 41

Preços indexados e gastos públicos também são entrave à corte na Selic. Mas analistas veem taxa recuando a longo prazo

BRASÍLIA. O trauma provocado no Brasil por anos de hiperinflação é o principal motivo para o país ainda ter hoje a maior taxa de juros real do mundo ¿ condição reforçada pela retomada, na última quarta-feira, do ciclo de altas da Taxa Selic pelo Banco Central (BC). Economistas, equipe econômica e representantes do setor produtivo afirmam que anos de corrosão do poder de compra dos salários e baixo patamar de investimentos fizeram o governo reticente em adotar medidas que ameace ressuscitar o fantasma da inflação.

Esse quadro piora quando se considera que a herança não é só psicológica: a economia ainda é parcialmente indexada. A inflação corrige uma série de tarifas públicas e contratos de dívidas de estados e municípios. Pesam ainda, na avaliação de alguns especialistas, as apostas que o sistema financeiro faz no mercado futuro de juros, que ancoram expectativas sobre a variação das taxas e acabam exercendo pressão sobre o BC.

¿ A condução da política monetária é conservadora. Existe uma enorme preocupação em cumprir a meta de inflação sem usar as margens de tolerância ¿ disse o consultor do Iedi e exsecretário de Política Econômica, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, lembrando que o BC só começou a reduzir juros em janeiro de 2009, embora o agravamento da crise financeira global tenha ocorrido em setembro de 2008.

Alcides Leite, professor da Escola Trevisan de Negócios, afirma que a herança da hiperinflação fez com que o governo aumentasse despesas correntes e não investisse na infraestrutura necessária para dar ao país um crescimento sustentável: ¿ Era uma preocupação com o presente e não com futuro. Não desenvolvemos uma cultura de acúmulo de poupança e pagamos esse preço até hoje.

Ainda assim, os economistas avaliam que a manutenção de um juros altos está perto do fim.

¿ Já temos grau de investimento e condições de trabalhar com juros real de 3% ao ano (hoje está em 4,5%). Estamos no final do ciclo de juros elevados ¿ disse Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC.

Corte de juros na crise mostrou solidez, diz analista ¿ A inflação tem uma inércia.

A estabilidade econômica é recente e a estabilidade de preços ainda é uma instituição fraca.

Mas nossa tendência é de redução dos juros ¿ afirma Bernardo Wjuniski, economista da consultoria Tendências.

Embora o cenário seja de aumento da Selic a curto prazo, devido ao forte aquecimento da economia mdash; a Selic subiu de 8,75% para 9,50% ao ano semana passada ¿ a tendência de longo prazo é de queda dos juros.

¿ Já ficou claro que o país tem condições de ter juros mais baixos.

Durante a crise, os juros caíram cinco pontos percentuais.

Essa turbulência foi boa para mostrar que os juros estavam muito acima do necessário ¿ diz Júlio de Almeida, do Iedi.

Técnicos do governo destacam que os brasileiros não sentem diretamente na pele as altas da Selic e isso é um entrave.

¿ O crédito no Brasil é segmentado, de forma que existem juros subsidiados para setores como o agrícola. O impacto dos juros básicos acaba um pouco diluído. Em economias onde o crédito é mais desenvolvido, qualquer aumento na taxa pelo BC é sentido imediatamente ¿ disse uma fonte do governo.

Para o presidente da União Geral dos Trabalhadores, Ricardo Patah, a postura do BC é conservadora e castiga quem investe na produção