Título: Crise da Grécia expoe dilemas da zona do euro
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 02/05/2010, Economia, p. 43
Para analistas, turbulência no bloco também tem viés político e lança dúvida sobre futuro da União Europeia
EM PROTESTO nas ruas de Atenas, manifestantes enfrentam a polícia. Eles são contra cortes de salários e alta de impostos, como prevê governo
PARIS. A crise grega, tanto do ponto de vista político quanto do econômico, não é só da Grécia. Ao afundar, o país não apenas testa os limites do maior projeto econômico da história da União Européia (UE) ¿ a união de 16 países em torno de uma única moeda, o euro ¿ como está deixando nervosos os que apostaram que a Grécia era um bom negócio: bancos e também os governos de França, Alemanha e Itália, os grandes credores estrangeiros do país.
Diante do tamanho da crise, representantes da zona do euro e da Grécia se reuniram ontem para negociar o socorro financeiro à Atenas. Hoje, o governo faz uma reunião ministerial para anunciar o resgate a ser obtido com os parceiros europeus e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O plano, de bilhões de euros, era esperado para ontem.
Os bancos franceses encabeçam a lista dos credores estrangeiros, com 50 bilhões dos cerca de 300 bilhões da dívida grega, segundo um relatório da Barclays Capital. Só o Banco Central da França teria 7 bilhões em papéis do governo grego. A crise grega pega os bancos europeus justo quando começavam a ensaiar uma recuperação da maior crise financeira mundial.
¿ A crise grega chega num momento em que não saímos da crise (global) ¿ diz Jean-Paul Fitoussi, presidente do Observatório Francês da Conjuntura Econômica (OFCE), em Paris.
Na quinta-feira, as ações do Crédit Agricole, um dos maiores bancos da França, despencaram: o grupo está presente na Grécia através do Emporiki, o quinto maior banco grego. Segundo analistas, o Crédit Agricole é o banco no mundo mais exposto à Grécia. Não se sabe o montante de dívida que ele detém. Outro banco francês exposto é o Société Générale.
Novo resgate de bancos por governos é improvável
Bancos alemães vêm em segundo lugar na lista dos credores: detêm cerca de 28 bilhões em títulos do governo grego, segundo a Barclays Capital. Analistas estimam que metade destes títulos estaria com as instituições controladas pelo governo alemão. Só o Hypo Real Estate Holding, socorrido no auge da crise financeira e hoje sob controle do governo alemão, detém 7,9 bilhões da dívida grega. Bancos da Itália teriam 20 bilhões em dívida grega, seguidos de Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Bancos dos EUA e da Grã-Bretanha também estariam com dívida grega.
Simon Tilford, economista-chefe do Centre for European Reform, em Londres, lembra que os bancos europeus acabaram de ser recapitalizados por governos. Ter que socorrê-los novamente é um desafio.
¿ Socorrer novamente os bancos por empréstimos que são vistos hoje como imprudentes vai ser muito impopular.
Para muitos, a crise grega não é econômica, mas política. A Europa, incapaz de tomar uma decisão rápida sobre a Grécia, está mostrando os limites de seu projeto de integração e contribuindo para sua perda de influência.
¿ O que estamos assistindo hoje não é o enfraquecimento econômico da Europa, mas sim os custos econômicos da ausência de uma Europa política ¿ diz Fitoussi.
O economista francês sustenta o argumento com números: a Europa tem uma dívida pública inferior a todas as outras regiões do mundo e déficit público menor do que os Estados Unidos e bem menor que o do Japão.
¿ Por que a Europa, então, paga as consequências? ¿ diz Fitoussi. ¿- Paga porque não se entende politicamente, o que abre espaço para a especulação. Não é a Europa monetária que não é sólida. É a Europa política.
Para Tilford, a crise grega expôs a falta de solidariedade no bloco. Ele concorda que a solução é mais integração. Mas não vê isso acontecendo:
¿ Está difícil ver algum movimento significativo na direção de maior governança econômica ou o desenvolvimento de um orçamento comum. Haverá mais monitoramento da política fiscal, mas isso não vai resolver o problema.
Zsolt Darvas, economista do Bruegel, um think tank em Bruxelas, é outro que também não acredita que a Europa dará o passo decisivo na direção de união política, visto por muitos como a melhor solução:
¿ É bastante improvável que a Europa se mova na direção de uma união política ou fiscal. Mas não acho que a zona do euro ou a União Europeia estejam em risco por causa da crise grega.
Resta a questão: a zona do euro pode implodir? Tilford acha que não, mas prevê um período muito duro pela frente. Zsolt Darvas está convencido que a zona do euro sobreviverá ¿mesmo que a Grécia dê o calote¿. Na Alemanha, surgiram propostas para que a UE crie um mecanismo para permitir que países saiam da zona do euro. Para Fitoussi, se tal mecanismo for criado, será o fim do euro.
Gregos protestam contra medidas de austeridade
Ontem, milhares de manifestantes marcharam gritando palavras de ordem contra as novas medidas de austeridade que serão anunciadas pelo governo e que, segundo eles, golpeiam os pobres e afundarão o país ainda mais na recessão. As medidas, que incluem cortes de salários e mais impostos, visam à obtenção dos empréstimos de seus parceiros da Europa e do FMI.
A ministra da Economia francesa, Christine Lagarde, espera que um pacote de US$133 bilhões a US$160 bilhões ajude a tirar a Grécia da crise. Segundo o gabinete do presidente francês Nicolas Sarkozy, França e Alemanha estão determinados a implementar a ajuda financeira rapidamente.
Com agências internacionais
oglobo.com.br/economia