Título: Ahmadinejad diz aceitar mediação brasileira
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Fonte: O Globo, 06/05/2010, O mundo, p. 32

Iraniano insiste na troca de urânio em seu próprio país, mas discutirá proposta durante visita de Lula a Teerã

DE VOLTA a Teerã, Ahmadinejad é recepcionado calorosamente por um grupo de clérigos xiitas após desembarcar no aeroporto Mehrabad

NOVA YORK. O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, aprovou, em princípio, a oferta brasileira de mediar as negociações com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para retomar a proposta de enviar combustível nuclear no exterior. Segundo o site da Presidência do Irã, Ahmadinejad teria anunciado aceitar a atuação do Brasil no impasse com o Ocidente, durante uma conversa telefônica na madrugada de ontem com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Segundo a imprensa estatal iraniana, o presidente teria aceitado a oferta "em princípio", desde que fossem negociados detalhes técnicos, como a quantidade de urânio a ser enviado ao exterior e o local da troca - além do estabelecimento de garantias internacionais de que o material seria devolvido posteriormente a Teerã. Sem entrar em detalhes sobre a proposta brasileira, Ahmadinejad afirmou que o tema será debatido durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Teerã, prevista para o fim da próxima semana A troca de material nuclear com o Irã é uma hipótese aventada pela AIEA, com o apoio das Nações Unidas, desde outubro do ano passado. A proposta original determina que os iranianos enviem uma tonelada e meia de seu urânio enriquecido a 3,5% ao exterior, recebendo, em troca, combustível nuclear enriquecido a 20% - concentração necessária para desenvolver pesquisas médicas e para o uso de energia nuclear, mas não para fabricar uma bomba. A ideia por trás da proposta também é esvaziar os estoques do país, impedindo que o Irã enriqueça ilicitamente o material necessário para a fabricação de armas nucleares.

Porta-voz do Departamento de Estado reage via Twitter

O plano, no entanto, vem esbarrando na insistência do Irã em realizar o processo somente em seu território, em vez de enviar o material a outros países. Apesar da aparente disposição em rediscutir a proposta, Ahmadinejad ontem voltou a condicionar um acordo à troca em solo iraniano. - Anunciamos várias vezes estarmos dispostos a efetuar a troca, mas detalhes e condições devem ser negociados. Jamais aceitaremos nada imposto por um grupo - afirmou ele à agência "Fars". - Como podemos confiar num país que após 60 anos de atividades obscuras agora diz que tem mais de cinco mil bombas atômicas - emendou, em mais uma alfinetada nos Estados Unidos. Em Nova York, onde participou da abertura da Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), e sob a crescente ameaça de novas sanções econômicas, o presidente iraniano não poupou críticas - e ironias - ao governo americano. Em entrevista ao programa "Good Morning, America", da rede de TV ABC, ele disse estar disposto a seguir seu programa nuclear mesmo diante das ameaças israelenses de ação militar contra seu país. Usando muito sarcasmo, Ahmadinejad afirmou ainda que o líder da rede terrorista al-Qaeda, Osama bin Laden, vive em Washington. - Sim, Bin Laden está em Washington. Ele vive lá, pois era um colega do Sr. Bush. Eram amigos de velhos tempos e trabalhavam juntos no negócio do petróleo - ironizou. As declarações foram rebatidas pelo porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Philip J. Crowley, em sua conta no Twitter, acusando o iraniano de fazer "acusações selvagens e infundadas". Novato no microblog, Crowley também recorreu à ironia na batalha diplomática verbal contra Ahmadinejad. "Durante a reunião na ONU, a secretária (de Estado) Clinton afirmou que os EUA farão sua parte para fortalecer o TNP. Não vi ninguém deixando o plenário em protesto", escreveu o porta-voz, referindo-se ao boicote de diplomatas de França, EUA e Reino Unido ao discurso do líder iraniano. Em outra discussão polêmica, o chefe da AIEA, Yukiya Amano, defendeu pressões internacionais para que Israel seja o próximo país a aderir ao TNP. Numa carta datada de 7 de abril, obtida pela agência "Associated Press", Amano pede que os ministros do Exterior dos 151 países signatários do tratado estudem maneiras de pressionar Israel a aderir ao acordo e abrir suas instalações nucleares, concentradas em Dimona, no deserto do Negev, à inspeção internacional. Há sete meses, em sua conferência anual, os membros da AIEA já haviam aprovado uma resolução criticando o programa nuclear israelense: dos 110 membros da associação, 49 votaram a favor, 45 contra e outros 16 se abstiveram.