Título: Crise lá, freio no investimento aqui
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 09/05/2010, Economia, p. 29

Países europeus reduzem em 26% recursos aplicados no setor produtivo do Brasil e preocupam economistas

A crise europeia, que se aprofundou esta semana com o agravamento da situação da Grécia e os temores de contágio em outras economias locais, acendeu a luz amarela no Brasil sobre a velocidade da chegada dos investimentos estrangeiros, importantes para garantir mais produção e financiar as contas externas do país. O receio é o de que, por um lado, sequem as fontes de crédito externo e seja reduzido o fôlego das multinacionais que estão interessadas em entrar ou ampliar suas ações no Brasil. Por outro, que leve a uma saída forte de recursos de fora aplicados em ativos nacionais, como ações e títulos públicos ou privados. Os investimentos estrangeiros diretos (IED) europeus no Brasil recuaram 26,4% no primeiro trimestre, quando os primeiros alertas de crise se desenhavam.

Considerando-se as seis nações que mais enviam recursos produtivos ¿ Holanda, França, Reino Unido, Espanha, Portugal e Itália ¿ o ingresso do IED caiu de US$ 2,438 bilhões para US$ 1,794 bilhão entre janeiro e março.

¿ A crise pode afetar, sim, os investimentos estrangeiros no Brasil e, lentamente, já vemos isso. Ela pega com mais força o mercado de capitais e, em seguida, os investimentos produtivos ¿ resumiu o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luis Afonso Lima.

Espanha investiu 76% menos

Lima lembra que a entrada líquida desses recursos voltados à produção, de US$ 5,884 bilhões no primeiro trimestre segundo o Banco Central (BC), apresenta uma velocidade menor se comparada à necessária para bater a projeção do BC e da Sobeet, de US$ 45 bilhões neste ano. O ingresso de investimentos diretos globais caiu 12,2% em relação ao primeiro trimestre de 2009. Pelos dados do BC, considerandose os nove países com aportes mais significativos, seis são europeus.

Neste grupo, houve avanço no ingresso de recursos de quatro países ¿ França, Reino Unido, Portugal e Itália ¿ e queda em dois ¿ Holanda e Espanha, 33,2% e 76,7%, respectivamente.

Os países europeus, com os Estados Unidos, são os grandes responsáveis pelo IED no Brasil. Os destaques são a Holanda ¿ por onde passam investimentos de empresas sediadas em outros países, de setores como o de petróleo ¿ e o Reino Unido. Entre janeiro e março, segundo o BC, o primeiro respondeu por 11,5% ¿ US$ 675 milhões ¿ dos recursos que entraram, mas, um ano antes, a fatia era de quase 21%. O Reino Unido, por outro lado, aumentou levemente seu peso, de 3,3% para 4,2% no período.

Para a economista da consultoria Tendências Alessandra Pinheiro, o Reino Unido tem a vantagem de ter independência para conduzir as políticas cambial e monetária.

¿ O Reino Unido tem importantes déficits fiscais sim, mas pode encontrar saídas que não dependem da aprovação de um bloco ¿ afirmou ela.

Lima, da Sobeet, acredita que o Brasil tem vantagens importantes, que são as boas expectativas de crescimento.

Só para este ano, elas ultrapassam 6% para o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), além de grandes eventos que prometem girar to capital, como a exploração do petróleo da camada do pré-sal. E, como lembrou, o IED leva em consideração as perspectivas de médio e longo prazos.

¿ O setor bancário é o que mais vai sofrer agora, com menos investimentos ¿ acrescentou ele.

Na indústria, Rogério de Souza, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), aponta os setores denominados ¿tradicionais¿, caso de calçados e têxtil, como os mais expostos.

No mercado de capitais, só na BM&F Bovespa, nos últimos dias 3 e 4, os investidores externos retiraram R$ 573,1 milhões. Hugo Penteado, economistachefe do Santander Asset Management, diz que, para combater esse movimento, há os juros básicos ¿ hoje, em 9,50% ao ano, a maior taxa real do mundo ¿, que remuneram os títulos públicos, com tendência de alta, e a boa avaliação de risco do país.