Título: 'O PT está pondo o PP nos braços do PSDB'
Autor: Dornelles, Francisco
Fonte: O Globo, 09/05/2010, O País, p. 12

Presidente do PP diz que isto acontece no Paraná e que dificuldades nos estados podem influenciar aliança nacional

ENTREVISTA Francisco Dornelles

Na semana que passou, o presidente do PP, senador Francisco Dornelles (RJ), foi um dos protagonistas da sucessão presidencial. Almoçou com a pré-candidata petista, Dilma Rousseff, num dia. No outro, reuniu-se com o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). Cotado para vice na chapa do tucano José Serra, Dornelles não diz que sim nem que não, mas que conversa com todos. Diz que as conquistas da era Lula são irreversíveis. Por outro lado, diz que o PT joga o PP nos braços do PSDB no Paraná. Por uma hora e meia de entrevista no seu gabinete, decorado com desenhos de Oscar Niemeyer e fotografias ¿ como a que o mostra subindo a rampa do Planalto com João Goulart e Tancredo Neves, em 1961 ¿, ele alimenta esperanças de tucanos e petistas. E diz que, independentemente da posição nacional, o apoio do PP a Sérgio Cabral (PMDB-RJ) é ¿amplo, geral e irrestrito¿.

Na entrevista, uma revelação: foi grampeado pelo SNI quando era secretário da Receita Federal no governo João Figueiredo. Em 1982, Dornelles ligou do telefone do carro oficial para alertar o então candidato ao governo de Minas, Tancredo Neves, que estava em curso uma operação para dificultar o transporte em Belo Horizonte no dia da eleição. Não demorou e recebeu uma ligação do general Newton Cruz, chefe do SNI: ¿Dornelles, você mentiu ao falar com Tancredo ao telefone¿.

Adriana Vasconcelos e Gerson Camarotti

O GLOBO: O que levou o PP a se tornar a noiva mais cobiçada por PT e PSDB? FRANCISCO DORNELLES: O PP tem um programa de governo, e com ele nós participamos dos governos de Fernando Henrique e de Lula, porque todos os dois tiveram atuação coerente com o nosso programa.

O partido é um parceiro sério, que quer somar, construir, ajudar, que raciocina em termos elevados e grandes.

Essa corte do PSDB não cria desconforto, já que o PP tem o ministro Márcio Fortes (das Cidades) no governo? DORNELLES: Os partidos políticos têm de ter maturidade.

Você não pode raciocinar política na base do conforto ou desconforto. Política é conversa, é diálogo, entendimento.

Ninguém pode ficar em desconforto por causa de conversa, de troca de ideias entre quaisquer partidos.

Em encontro com a candidata Dilma Rousseff, o senhor adiantou a tendência do PP de ficar neutro. Isso seria uma derrota para o PT, que contava com a aliança com o PP? DORNELLES: É um fato real.

Cada estado tem seus problemas próprios, e hoje a gente está vendo que a decisão nacional é ditada pelos acordos estaduais. O que eu disse para a ministra é que sou presidente do partido porque tento conciliar posições. Não sou aquele presidente que aponta e diz que vamos nesta direção.

A característica do PP é a de que ninguém manda, até porque ninguém obedece. Então, estou ouvindo os estados.

O tucano José Serra também iniciou uma ofensiva nos estados em busca do apoio do PP. Como o senhor vê isso? DORNELLES: Acho muito bom. A Executiva Nacional do PP decidiu que não vai tomar uma decisão antes de consultar os diretórios estaduais. Vamos ouvi-los até o fim de maio, início de junho. Será uma decisão de baixo para cima.

Até que ponto as pesquisas, que dão vantagem para Serra, influenciam nessa decisão? DORNELLES: As mudanças de posição dos partidos se dão em razão de problemas estaduais.

O PT, por exemplo, está colocando o PP nos braços do PSDB no Paraná. Pode colocar também em Santa Catarina.

Por quê? DORNELLES: Muitas vezes, uma candidatura estadual, quando representa uma postura radical, dificulta o acordo federal. No Rio Grande do Sul, nosso pessoal representa o agrobusiness, as pequenas e microempresas, tem ligações com a Igreja. E quando você tem uma candidatura com cara de MST no estado, dificulta a aliança estadual e, consequentemente, a nacional.

Primo de Aécio Neves, amigo de Fernando Henrique Cardoso e convidado para ser vice na chapa de Serra. Isso vai influenciar na decisão do PP? DORNELLES: Amizade e inimizade são institutos de pessoa física.

Na política, tem-se aliado ou adversário. Uma das coisas mais difíceis da política é você ser aliado de seu inimigo e adversário de seu amigo. Eu sou presidente de um partido, e a posição de um partido não decorre de amizades, é programática.

Vou repetir o que tenho dito: não há política sem boato, sem lenda, sem história, e quando eles adquirem força própria, não adianta desmentir nem confirmar.

De modo que essa questão de vice, não vou comentar.

Setores do PP torcem para o partido virar protagonista no cenário nacional, com a vice...

DORNELLES: O PP teria papel de protagonista se tivesse um candidato à Presidência. Mas não tem. A verdade é que o PP ELEIÇÕES 2010: Senador é lembrado para vice de Serra, mas diz que não comenta porque na política não existe o `se¿ não tem candidato a presidente nem a vice.

Mas ter um candidato a vice faria diferença? DORNELLES: Um a presidente também.

Até que ponto o apelo de Aécio pode influenciar a decisão? DORNELLES: Na política a gente só joga com fato concreto, o ¿se¿ não existe.

No Rio, o senhor tem uma aliança consolidada com o governador Sérgio Cabral (PMDB), um aliado fiel do presidente Lula. As negociações do PP com o PSDB podem alterar isso? DORNELLES: O apoio do PP ao Sérgio Cabral é o que a gente chama de amplo, geral e irrestrito.

Vamos apoiá-lo, e ele será reeleito. A dúvida é se vai ser no primeiro ou segundo turno.

Acha que a participação de Lula pode fazer a diferença na campanha? DORNELLES: Vi situações em que a transferência de votos ocorreu. Getúlio (Vargas) elegeu (Gaspar) Dutra com dois discursos. É um exemplo. Mas recentemente o Lula não elegeu o candidato dele em São Paulo. Vamos ter uma eleição com o país crescendo 6%, com geração de renda, de emprego.

O discurso tem de ser bem dosado, porque contestar políticas que tiveram êxito realmente não vai pegar. O programa social do governo foi intenso, vasto. O Bolsa Família foi um dos programas de maior êxito de natureza social no Brasil e no mundo. O aumento do salário mínimo teve reflexo grande sobre os aposentados. São fatos reais que pesam na campanha política. Vai ser preciso muita competência para disputar esta eleição.

Na sua opinião, o que terá peso grande nesta eleição? DORNELLES: A plataforma dos candidatos será muito importante.

Se um candidato se posicionar contra o Bolsa Família, ele pode ir para casa, pode arrumar as malas. Se o candidato resolver fazer campanha com um discurso tecnocrata de cortar gastos e tirar benefícios da Previdência, também pode ir para casa. Os ganhos sociais do governo Lula são irreversíveis. O patamar de uma campanha tem de partir daí. Então o candidato tem de pensar como administrar o problema fiscal com uma plataforma social. A gente vê determinados segmentos pregando o corte de gastos, mas quais? Tem de ser uma campanha bem dosada.

Qual a influência que o debate do pré-sal e da mudança no pagamento dos royalties poderá ter nesta eleição? O eleitor fluminense está preocupado com isso? DORNELLES: Está muito preocupado, e, dependendo do resultado, poderá atingir um candidato, uma candidata ou os dois. Esta proposta, como foi feita, é uma agressão, um desrespeito ao povo do Rio. Especialmente pelo fato de ela ser retroativa.

Ela fere princípios constitucionais, legais e morais.