Título: Responsabilidade fiscal incompleta
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Fonte: O Globo, 09/05/2010, Opinião, p. 6

Décadas de inflação aguda transformaram os orçamentos públicos em obras de ficção. Depois do lançamento do real, a disciplina orçamentária passou a ser essencial para a continuidade da estabilidade monetária.

Embora o Brasil ainda não tenha alcançado um estágio em que esses orçamentos possam ser cumpridos à risca, não há dúvida que o país avançou muito no campo das finanças públicas, graças, em grande parte, à Lei de Responsabilidade Fiscal que entrou em vigor há dez anos.

A lei, conjugada à renegociação de dívidas de estados e municípios com a União, fez com que os diversos entes federativos reduzissem gradualmente seu endividamento e contivessem alguns tipos de gastos, especialmente a folha de pessoal. Estados e municípios tiveram de buscar uma solução para seus sistemas previdenciários.

Atualmente, com exceção do Rio Grande do Sul, todos os estados e capitais estão enquadrados nos limites de endividamento autorizados com base na lei. Também no caso dos gastos de pessoal, os limites estão sendo cumpridos, apesar de alguns retrocessos recentes.

A União não tem metas de redução de dívida, mas a Lei de Responsabilidade Fiscal motivou a execução de uma política orçamentária federal com acumulação de superávits primários, que contribuíram para a redução da dívida federal.

Vale frisar que não se trata de uma camisa de força que emperre o funcionamento da máquina governamental. Os gastos com servidores absorvem de 50% a 60% das receitas líquidas do governo federal, estados e prefeituras, configurando o maior item de despesas públicas. Mas deixou de ser uma regra a folha de pagamentos comprometer mais de 100% das receitas próprias da maioria dos estados.

Em seu conjunto, estados e municípios registram superávits primários, superando, em alguns momentos, o acumulado pelo Tesouro Nacional.

A Lei de Responsabilidade Fiscal impede que os governantes em seu último ano de mandato saiam gastando e passem a conta para seus sucessores.

A não ser obras emergenciais ou de manutenção, nenhuma contratação pode ser feita nos meses que antecedem as eleições ou o fim do mandato se o pagamento não estiver previsto para o mesmo exercício, dentro do Orçamento aprovado pelo Legislativo.

A Lei de Responsabilidade Fiscal precisa agora ser complementada, especialmente no que se refere aos gastos de custeio. O Executivo encaminhou ao Congresso um projeto ¿ mas não fez força para aprová-lo ¿ estabelecendo que o aumento de gastos de custeio deve ser inferior à expansão do Produto Interno Bruto (PIB). Os líderes parlamentares negociaram uma diminuição desse redutor de gastos, mas o projeto continua empacado. Como o saldo da Lei de Responsabilidade Fiscal é extremamente positivo, a melhor forma de comemorar os dez anos da legislação seria o seu fiel cumprimento.

No entanto, tanto o Congresso como o Executivo tomam iniciativas que contrariam a lei. Novas despesas não podem ser criadas se a fonte de receita que irá custeá-las não estiver devidamente identificada. Não foi o que aconteceu no aumento para aposentados aprovado pela Câmara dos Deputados.