Título: Uma aposta alta da diplomacia verde-amarela
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Fonte: O Globo, 16/05/2010, O Mundo, p. 38

Mediação bem sucedida de Lula com o Irã alçaria Brasil no cenário mundial. Mas, para especialistas, há mais riscos do que oportunidades na mesa

Com visita marcada para o Irã de ontem à noite até amanhã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega ao país persa num momento crucial, em que a comunidade internacional pressiona Teerã por seu programa nuclear, que muitos acreditam esconder intenções bélicas. Embrenhando-se na complicada diplomacia do Oriente Médio, Lula disse que foi a Teerã conversar olho no olho com o presidente Mahmoud Ahmadinejad, e vai ainda encontrar-se com o presidente do Parlamento, Ali Larijani, e com o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país. Da cúpula de poder em Teerã, Lula espera tirar garantias aceitáveis à comunidade internacional sobre os fins pacíficos que o governo iraniano afirma ter seu programa nuclear. No meio da expectativa que cerca a viagem, O GLOBO promoveu uma enquete sobre o tema entre especialistas.

CELSO LAFER (ex-chanceler): Para se lançar por iniciativa própria na mediação com o Irã, o Brasil tem que ter efetiva condição para o encaminhamento dessa questão, que é muito difícil. Há muita desconfiança em relação à posição do Irã, que ora diz uma coisa, ora outra. A postura do presidente Lula em relação às eleições no Irã é vista como complacência, certo endosso à posição iraniana. É um pouco da diplomacia do gesto, e não dos resultados, que a meu ver são pouco prováveis de serem bem sucedidos.

Acho que o Brasil perde com essa posição em relação ao Irã.

¿ EUGÊNIO DINIZ (professor da PUC-MG e especialista em questões nucleares): O Brasil incorreu em custos políticos significativos ao mediar essa questão. E são custos que podem aumentar, dependendo do andamento do processo. Por exemplo: o Irã pode dizer que topa só para ganhar tempo, e depois voltar atrás. Em princípio, o que poderia ser um resultado favorável, pode fazer com que a situação política do presidente Lula fique complicada. O que vai parecer: ou ele (Lula) foi feito de bobo ou concordou com essa parolagem.

¿ DEMÉTRIO MAGNOLI (doutor em Geografia Humana pela USP): Teria a ganhar se adotasse uma posição clara e nítida de defesa do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear), criticando as manobras evasivas do Irã e declarandose disposto a apoiar uma nova rodada de sanções na hipótese de rejeição de Teerã à proposta da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Infelizmente, o Brasil não faz nada disso, arriscando-se a servir apenas à tática iraniana de protelação.

¿ MAURÍCIO SANTORO (professor da pós-graduação de Relações Internacionais da FGV): A avaliação do governo é que a mediação oferece uma possibilidade grande de ganhar prestígio internacional (o país aspira a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU) e uma oportunidade econômica muito interessante.

O lado negativo é de associarse a um país repressor, e que não compartilha dos ideais de democracia e direitos humanos do Brasil. Estive recentemente em Brasília com diplomatas, membros do governo e parlamentares da base aliada. A aposta deles é que os aspectos positivos superam em muito os negativos.

¿ ERICA SIMONE RESENDE (Doutora em Ciência Política pela USP): É uma aposta alta e arriscada. Se a estratégia der certo, os ganhos serão enormes, pois pela primeira vez uma potência emergente atuaria num dos problemas mais complexos do cenário internacional. A política externa brasileira seria alçada a um outro patamar.

No entanto, se der erado, e a probabilidade de dar errado é elevada, o Brasil arrisca jogar fora muitos dos ganhos que acumulou em oito anos de governo Lula.

¿ GUILHERME CAMARGO (presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear): Independentemente de ganhar ou perder, o Brasil está assumindo um papel de destaque nas relações internacionais numa questão que é importante, uma vez que o programa nuclear brasileiro está amadurecendo.

Esse posicionamento já deveria ter sido tomado há muito mais tempo no cenário internacional. O Brasil preenche uma lacuna que faltava.

O atual regime de não proliferação de armas no mundo está falido.

VIRGÍLIO ARRAES (professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB): Para sabermos se o Brasil tem a perder ou a ganhar, precisamos esperar pelo resultado. O fato é que se trata de uma aposta de alto risco do Brasil. Ainda é cedo para prevermos qual será o impacto, mas um país que quer ter mais desenvoltura internacional também precisa se arriscar.

¿ SAMUEL FELDELBERG (professor do Instituto de Relações Internacionais da USP): Não há dúvida de que o Brasil vai perder com essa tentativa de mediação, não há expectativa nenhuma de resultado concreto. O esforço está sendo desperdiçado e está levando a um aumento da tensão com os EUA, que veem essa proposta de intermediação do Brasil como um empecilho para a tomada de decisões em relação as sanções contra o Irã.

¿ ARSHIN ADIB -MOGHADDAM (professor do Departamento de Estudos Internacionais da Universidade de Londres): Eu acredito que diplomática e estrategicamente o envolvimento do Brasil é perigoso, mas aumenta o status internacional do país pelo fato de o presidente Lula ser visto como um mediador imparcial pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e Alemanha e pelo Irã e seus aliados.

¿ LUIZ FELIPE LAMPREIA (ex-ministro de Relações Exteriores): É como apostar, digamos, na loteria. Se der certo é, evidentemente, uma fa turada tremenda. Mas a chance de dar certo é muito pequena. Um apostador compra o seu bilhete achando que vai ganhar a Sena. É essa situação mais ou menos. A possibilidade de que o Irã mude de rumo, altere profundamente sua política por causa de uma conversa com o presidente do Brasil é uma possibilidade remota.

¿ JOSÉ BOTAFOGO GONÇALVES (presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais Cebri): Nas circunstâncias atuais, é um jogo arriscado. As chances de dar certo são menores. Acredito que não há nenhuma indicação de que seja bem-sucedido, embora seja um esforço que, sob alguns aspectos, tem seu mérito.

ANTÔNIO JORGE RAMALHO DA ROCHA (professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília): Atualmente o Irã está isolado.

Uma pressão adicional não apenas sinaliza pouca possibilidade de êxito sanções em geral não produzem resultados positivos como tende a fortalecer a linha mais dura dentro da sociedade iraniana. Ou seja, o governo do Irã continuará a operar trocas com outros parceiros comerciais, e a tendência será uma radicalização do atual governo, mais apoiado ainda pela sociedade doméstica.

¿ CELSO LAFER: Isso vai depender de uma deliberação do Conselho de Segurança da ONU, que tem muitos membros. O Brasil tem uma conduta impecável nos termos de uso pacífico de armas nucleares. Assinou um tratado que ajudou a desnuclearizar a América Latina, e por isso tem uma credibilidade importante na matéria. Patrocinar a posição do Irã pode consumir o capital de credibilidade do país.

¿ EUGÊNIO DINIZ: Pode ter um efeito prático facilmente pensável se o Irã decidir adiar essa questão. O problema é se depois o presidente Ahmadinejad voltar atrás, o que vai minar os esforços para que o Irã não sofra sanções.

Se o Irã honrar os compromissos poderia até evitar (sanções), mas o mais provável é um efeito prático de adiamento, inclusive reduzindo a credibilidade daquele país.

¿ DEMÉTRIO MAGNOLI: Só terá efeitos práticos se o Irã resolver mudar radicalmente a sua tática, aceitando a proposta da AIEA. Isso poderia, em tese, acontecer. Mas refletiria uma reviravolta interna no regime iraniano. Não seria um efeito da mediação brasileira.

¿ GUILHERME CAMARGO:Pessoalmente, não acredito que haja sanções.

Se a proposta for votada no Conselho de Segurança da ONU, minha aposta é que serão aprovadas, no máximo, sanções retóricas, que não afetariam a vida da população iraniana ou a própria política nuclear iraniana.

VIRGÍLIO ARRAES: O Brasil está credenciado para ser mediador, pois vem se aproximando há um bom tempo do Irã. E não apenas em função da questão nuclear, mas pelo interesse em vender para um dos mercados mais amplos do Oriente Médio. Creio ser possível evitar sanções.

ARSHIN ADIB-MOGHADDAM: Como um membro não permanente do Conselho de Segurança, o Brasil tem o poder de influenciar qualquer nova resolução de sanção no Conselho de Segurança.

Tanto o Irã quanto os EUA sabem disso e é provável que ouçam o que Lula tem a dizer. A forte objeção de uma potência regional como o Brasil teria efeito tanto na forma como uma nova sanção seria vista na comunidade internacional, quanto na maneira que ela seria implementada.

LUIZ FELIPE LAMPREIA: O efeito prático é o risco de perda de credibilidade.

É uma jogada de alto risco.

Pode afetar o prestígio, a influência diplomática do Brasil, num momento em que o país conseguiu uma inserção no processo decisório internacional elevadíssima, que nunca teve antes.

Acho muito arriscado jogar isso numa hipótese improvável de tentar convencer o Irã numa situação que ninguém mais conseguiu