Título: Vazamento no Golfo expõe riscos do petróleo no Rio
Autor: Ordoñez, Ramona; Grandelle, Renato
Fonte: O Globo, 16/05/2010, Economia, p. 31

Analistas estimam que acidente similar afetaria praias fluminenses em 2 dias Rennan Setti

Se um vazamento de petróleo como o que ocorre há quase um mês no Golfo do México acontecesse na Bacia de Campos, litoral do Rio de Janeiro, o óleo poderia chegar às praias de Arraial do Cabo, Búzios e Cabo Frio entre dois e três dias. Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, cartões-postais como Ipanema e Copacabana seriam atingidos em cerca de uma semana. Pelo caminho, a mancha deixaria um rastro de destruição de fauna e flora sem precedentes. Concentrando 80% da produção de petróleo do país, a exposição do Estado do Rio a uma catástrofe ambiental nas proporções da americana acendeu a luz amarela para autoridades e pesquisadores brasileiros.

Como o caso nos EUA contrariou todas as probabilidades de acidente (o principal mecanismo de prevenção falhou em seus três níveis, por exemplo), as estimativas dos pesquisadores brasileiros preocupam.

Simulações feitas pela consultoria ProOceano com base em 500 cenários distintos e nas condições históricas de corrente marítima e vento da Bacia de Campos mostram que o óleo teria 30% de chance de atingir a costa fluminense em um acidente como o do Golfo onde 800 mil litros de petróleo vazam sem parar há 26 dias. A cidade mais vulnerável é Arraial do Cabo, que seria atingida em 80 horas.

O oceanógrafo Paulo Cesar Rosman, da Coppe/UFRJ, também admite que a mancha seria capaz de chegar às areias do Rio, embora ressalte que o padrão de maré necessário para isso não seja o mais comum.

A tendência natural das correntes na Bacia é levar o óleo em direção ao alto-mar, mas Rosman estima que, em condições extremas, Arraial poderia receber a mancha em até dois dias.

Três baías e cem lagoas no caminho do petróleo Além das probabilidades numéricas, há uma biodiversidade que sofreria na pele o ônus da catástrofe. O estado concentra três baías e cerca de cem lagoas que se comunicam com o mar. Estes locais são estuários da produção de pescado, e boa parte deles tem manguezais e brejos, considerados áreas de preservação permanente. Além da fauna local, aves migratórias buscam alimentos por ali à caminho do Ártico. Em abril e maio, a região é rota de maçaricos brancos vindos da Argentina.

Em agosto e setembro, baleias passam por ali em direção ao Hemisfério Norte. Já o verão é época da desova de tartarugas explica Salvatore Siciliano, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.

Siciliano, que se dedica ao estudo da sensibilidade ambiental da Bacia de Campos, acredita que o estuário do Rio Paraíba do Sul, rico em manguezais e já consideravelmente degradado, seria uma das regiões mais prejudicadas. O ecossistema ainda serve de berço para dezenas de aves e crustáceos.

Mesmo admitindo que a tecnologia usada pela Petrobras maior exploradora do petróleo brasileiro seja uma das mais modernas do mundo, os pesquisadores criticam o fato de que a avaliação rotineira dos dispositivos de segurança seja feita exclusivamente pelas empresas. Elas são obrigadas a cumprir a Resolução 43/07 da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que regulamenta os padrões de segurança das plataformas.

No Golfo do México, os equipamentos que falharam são os mesmos usados no Brasil, e isso é preocupante. Mas quem checa se esses dispositivos funcionam são as próprias perfuradoras.

A ANP também deveria se preocupar com isso, pois trata-se de uma questão de Estado critica Segen Estefen, diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe/UFRJ.

A Petrobras se recusou a falar sobre seus procedimentos de segurança, se limitando a informar que, em todas as suas atividades operacionais, utiliza os melhores padrões, normas e procedimentos internacionais da indústria do petróleo além de desenvolver programas permanentes de capacitação e treinamento dos trabalhadores nas áreas de segurança, meio ambiente e saúde.

Bueno: acidente reafirma importância dos royalties Segundo a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, o potencial de acidentes é avaliado pelo Ibama durante o processo de licenciamento ambiental para atividades petrolíferas. Além disso, o instituto faz simulações periodicamente, e a Marinha certifica as plataformas: Esse acidente é uma oportunidade de repensarmos nossos métodos. Com base no estudo desse caso, esperamos elaborar nosso Plano Nacional de Contingência, que ainda não existe, até o fim do mês.

O secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado do Rio, Júlio Bueno, disse que a catástrofe nos EUA mostra como são importantes os royalties para regiões onde há indústria de petróleo.

Para o Brasil, e especialmente para o Rio, o acidente no Golfo tem significado importante na discussão política sobre os royalties, já que um dos objetivos desses recursos é justamente a compensação ambiental destacou Bueno.