Título: Crise na Europa é grave e há risco de moratória, diz Nobel de Economia
Autor: Spence, Michael
Fonte: O Globo, 16/05/2010, Economia, p. 30

Países do Bric devem ter crescimento maior do que nações desenvolvidas

A crise na Europa é grave. O pacote de socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da União Europeia à Grécia é insuficiente para estabilizar o país e não evitará problemas fiscais em Portugal e Espanha. O buraco é profundo, diz o americano Michael Spence, prêmio Nobel de Economia em 2001, ex-reitor da Graduate School of Business da Universidade de Stanford e presidente da Comissão para o Crescimento e Desenvolvimento, que reúne 22 profissionais das áreas governamental, empresarial e política. Spence acredita que os EUA podem sair da crise sem maiores danos se adotarem medidas para conter o déficit e a dívida , prevê um presente e futuro promissores para países emergentes, mas tem dúvidas sobre a Europa. No geral, é pessimista a curto prazo, porém mais otimista a médio e longo prazos, se não houver novos solavancos na economia global.

Fernando Eichenberg

Correspondente

O GLOBO: Qual é a sua análise sobre a crise europeia, deflagrada pela Grécia? Era algo esperado ou trata-se de um novo tipo de crise? MICHAEL SPENCE: A situação na Europa é grave. É um problema de dívida soberana, mas com amplos efeitos externos nas instituições financeiras na Europa e no próprio euro. Não era algo de todo esperado, por um lado porque a vigilância aplicada por Maastricht (tratado que define os parâmetros fiscais para um país da zona do euro) não foi muito eficaz e, por outro, porque parte da dívida grega estava ocultada em swaps (operações no mercado financeiro) e fora do balanço patrimonial. De maneira mais geral, houve um rápido crescimento de déficits e dívidas na maioria dos países avançados e isso aumentou os problemas de dívidas de risco soberano e, desse modo, o risco de default (calote), de reestruturação e de inflação. No caso dos Estados Unidos, é também um risco para a estabilidade da principal moeda de reserva.

¿ O senhor pensa que a crise terá consequências ainda maiores na Europa e mesmo fora do continente europeu? SPENCE: De uma certa maneira, já atingiu o balanço patrimonial de bancos que asseguravam muito da dívida soberana de países da zona euro com problemas fiscais. Em algum momento, a Grécia terá de se reestruturar, a menos que obtenha uma maciça quantia de empréstimos de longo prazo. A intervenção no último fim de semana foi bastante ampla, mas trata principalmente com as instituições financeiras ligadas à dívida soberana grega e com o contágio e o próprio euro. Há uma porção designada para dar à Grécia um tempo para implementar um plano de estabilização fiscal.

Mas eles provavelmente não podem se estabilizar sem uma ajuda maior. O buraco é demasiado profundo. Cortar déficits e a deflação teriam um impacto negativo tão grande no crescimento que o país provavelmente não conseguiria se recuperar por seus próprios meios. Isso quer dizer que deve haver uma reestruturação e que a União Europeia precisa administrar os danos externos.

¿ Existe um real risco para a recuperação do crescimento econômico global? SPENCE: Na minha opinião, o crescimento dos países avançados já estava mais lento mesmo antes da crise na Europa, por razões estruturais desalavancagem (redução do nível de endividamento), insuficiência da demanda agregada doméstica e global e isso agora certamente não ajudará. As economias emergentes importantes como Brasil, Índia e China deverão, contudo, crescer em altos índices, de maneira bem diferente dos países desenvolvidos.

¿ O receituário do FMI e da União Europeia foi o melhor? A Grécia será capaz de seguir a prescrição? SPENCE: A receita serviu para lidar com a imediata volatilidade, o contágio e para ganhar tempo.

Mas não será o suficiente. Eles concedem tempo, claramente reduziram o contágio e estabilizaram os mercados no momento.

A intervenção não é, provavelmente, grande o suficiente para solucionar o problema fiscal na Grécia, em Portugal ou na Espanha. A maioria dos analistas acredita que alguma forma de reestruturação será necessária, ao menos para a Grécia.

¿ Em 2001, apesar da ajuda do FMI, a Argentina declarou a moratória da sua dívida de US$ 132 bilhões. Algo similar poderia ocorrer hoje para países com elevadas dívidas? SPENCE: Sim, poderia. Na zona euro, ajustes pela desvalorização e inflação no nível dos países não são possíveis. Então, das medidas possíveis, restam a deflação, o aperto fiscal e o lento crescimento, e o lento crescimento piora o problema fiscal.

¿ O euro, como moeda, e a zona euro, como região, estão ameaçados? O euro é favorável aos países europeus? SPENCE: O euro é uma boa coisa, e o Banco Central Europeu é forte e competente. Mas a zona do euro e a União Europeia são fiscalmente fragmentadas, o que deixa a moeda vulnerável. Então, penso que temos de ter mais disciplina fiscal e centralização para preservar o euro e seus benefícios.

¿ Como essa crise poderá afetar a recuperação econômica dos EUA? O governo americano está adotando as medidas necessárias para enfrentar o problema? SPENCE: Os Estados Unidos serão afetados pelo menor crescimento econômico na Europa, se ocorrer, como parece ser o caso. E também, a menos que os EUA mudem sua trajetória em relação ao déficit e à dívida, os problemas na zona do euro poderão atingir o país.

¿ E qual poderá ser o impacto para os países emergentes, em geral, e especificamente para a economia brasileira? SPENCE: O principal efeito será o de menor crescimento nos países avançados. Mas penso que o Bric Brasil, China, Índia e Rússia poderá retornar ao elevado crescimento econômico e sustentá-lo mesmo sem o crescimento dos países avançados por um considerável período de tempo.

Claro, se houver uma perda de confiança no dólar, isso poderá produzir um enorme efeito na economia global, porque não há hoje uma alternativa de moeda de reserva.

¿ Nesse contexto de crise, qual é, na sua opinião, a tendência econômica hoje: um movimento em W (recuperação seguida de nova recessão), em U (recessão prolongada)? SPENCE: Penso que o mais provável é ocorrer um longo e difícil U nos países avançados e um belo e robusto V (queda profunda seguida de recuperação rápida) nos países em desenvolvimento, especialmente no Bric. Há risco de deterioração da conjuntura de um W, e risco de inflação a longo prazo.

¿ Pessoalmente, você é otimista ou pessimista em relação ao que está por vir? SPENCE: Sou otimista em relação a Brasil, Índia e China.

Penso que os EUA vão finalmente se recuperar depois de a ter feito seu caminho e então o inerente dinamismo retornará.

Para a Europa é mais difícil prever, mas minha expectativa é a que eles atravessarão a crise de forma razoável e acabarão por adaptar suas instituições para que se tornem mais robustas num mundo volátil. Isso me deixa levemente pessimista a curto prazo e mais otimista em relação ao médio e longo prazos, desde que não ocorram acidentes maiores ao longo do caminho.