Título: Crise europeia, âncora brasileira
Autor: Rosa, Bruno; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 16/05/2010, Economia, p. 29

Empresas da Espanha e de Portugal reduzem aqui perdas da turbulência de lá

Países ameaçados, empresas resistentes.

Essa é a realidade de Espanha e Portugal, cujas principais companhias apresentam até crescimento nos lucros obtidos, em grande parte, nos investimentos realizados no Brasil e na América Latina para muitas, mercados prioritários no exterior. Contrastando com a recessão e a estagnação rondando os países europeus e com o desemprego atingindo até 20%, como na Espanha, o acelerado crescimento brasileiro previsto para este ano deve aumentar ainda mais a fatia verde-amarela nas receitas e nos resultados dos grupos ibéricos.

Essa já é a realidade, por exemplo, de Santander, Telefónica, EDP, Sonae Sierra, Gas Natural Fenosa e Pestana, entre outros grupos. Os bons resultados chegam, inclusive, a incentivar uma nova onda de investimentos no Brasil.

As grandes empresas espanholas chegaram no Brasil no fim dos anos 90 e, desde então, só crescem. Isso incentiva o que deve ser a segunda onda de investimentos, de empresas menores que as pioneiras, mas de diversos setores disse Nuria Pont, diretora-executiva da Câmara Oficial Espanhola de Comércio no Brasil.

Ela conta que nunca recebeu tantos empresários espanhóis como agora. Só este mês, fabricantes de máquinas do País Basco e um grupo de 30 empresários catalães, liderados pelo prefeito de Barcelona, estarão no Brasil sondando negócios. Os interesses são variados: alimentos, construção, engenharia, tecnologia e turismo.

Antes, as empresas espanholas que se internacionalizavam começavam nos países vizinhos, mas agora o continente não cresce. Então a escolha, até por questões culturais, é o Brasil, mercado prioritário espanhol disse.

Os resultados dos grandes grupos comprovam que a iniciativa está correta. Na Telefónica, a receita global no primeiro trimestre subiu 1,7% sobre o mesmo período do ano passado, chegando a C 13,9 bilhões. Na Espanha, as receitas caíram 5,7%, mas cresceram 4,2% na América Latina. O Brasil apresentou expansão vigorosa, em euros, de 21,4% nas receitas devido à alta do real e ao crescimento do país. As operações no Brasil do grupo já representam 16,5% da receita global, contra 13,8% um ano antes.

A Telefónica reforça o seu compromisso com o desenvolvimento das telecomunicações no Brasil e mantém o investimento de R$ 2,3 bilhões em 2010, disse a empresa em nota na semana em que tentou comprar a outra metade da operadora Vivo, maior do Brasil, da Portugal Telecom.

No Santander, situação parecida. Os números do primeiro trimestre mostram que os ativos do Banco no Brasil já são 14% do total. E mais: os lucros aqui já equivalem a 34,3% do global, contra 29,9% no mesmo período de 2009. Existe alta probabilidade de que o crescimento da economia brasileira seja maior que o das economias europeias nos próximos anos. Caso isso ocorra, a operação do Santander no Brasil naturalmente ganhará mais relevância, afirmou o grupo.

Marcelo Llévenes, presidente da Endesa Brasil, confirma que todas as empresas espanholas e portuguesas que apostavam em uma projeção global optaram pela América Latina.

Esse fenômeno é natural, mas ocorre há vários anos. Temos que lembrar que, em energia, o consumo per capita na região ainda é metade do europeu. Ou seja, a oportunidade de crescer mais rápido está aqui disse o executivo do grupo que controla a Ampla e a Coelce, em associação com os italianos.

O presidente da OHL Brasil que administra 3.200 quilômetros de estradas no país, entre elas a BR-101 (RJ), a Fernão Dias (MG/SP) e Régis Bittencourt (PR/SP) José Carlos Ferreira de Oliveira Filho, lembra que a opção pelo Brasil foi prioritária e que a diversificação dos negócios da gigante na área de construção, energia e transportes no país e na América Latina, além dos EUA, deixaram o grupo mais robusto: Fizemos este ano uma oferta de debêntures no Brasil e houve excesso de demanda, o que mostra confiança dos investidores na empresa.

Estrangeiros vão brigar por mercado no Brasil

A disputa pelo mercado brasileiro vai aumentar, dizem especialistas. Prova disso foi o embate entre os espanhóis da Telefónica e os portugueses da Portugal Telecom pela Vivo, a maior operadora do país. Os espanhóis fizeram oferta hostil de C 6,3 bilhões para levar a parte dos portugueses na empresa. E a proposta foi rejeitada.

Quem está dentro não quer sair, e quem está fora quer entrar. Há muito interesse pelo Brasil disse um executivo.

Segundo Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudo das Empresas Transnacionais (Sobeet), o Brasil, assim como a América Latina, vem servindo de salvação para essas empresas neste momento de crise na Europa: Elas estariam em uma situação delicada se não estivessem no Brasil, seria bem pior. O investimento no país só vai aumentar.

Segundo o presidente do BES no Brasil banco do português Grupo Espírito Santo Ricardo Espírito Santo, o que foi feito no país é importante neste momento, pois a companhia não depende do crescimento europeu para se expandir. A empresa, que tem 8,2% do capital votante do Bradesco e 22% do Monteiro Aranha, entre outros, quer dobrar o investimento no Brasil em áreas como energia, imobiliário e hoteleiro.

O Brasil é foco. Fizemos um aporte de R$ 100 milhões no nosso banco de investimento no ano passado. Além disso, estamos preparando investimentos em biomassa e em pequenas centrais hídricas. Serão oito ao todo afirma.

A portuguesa EDP vem apostando em pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e em usinas eólicas. Pretende investir R$ 2,7 bilhões até 2012.

Assim, o país se torna cada vez mais importante para a companhia. Do início do ano passado para os primeiros meses de 2010, o peso do Brasil pulou de 16% para 20% da receita do grupo.

O Brasil é uma das alavancas de crescimento global, não só pelo desempenho que vem tendo, mas por suas perspectivas. Portugal e Espanha são mercados onde o crescimento é muito baixo.

E no Brasil a expectativa é que a demanda cresça 5% nos próximos anos diz Antônio Pita de Abreu, presidente da EDP no Brasil.

Na Portugal Telecom, o peso do Brasil subiu de 48,8% para 55,4% do faturamento global. Já a Sonae Sierra passou de prejuízo de C 59,4 milhões no primeiro trimestre de 2009 para lucro de C 7,3 milhões em igual período deste ano. No Brasil, o ganho subiu de C 4 milhões para C 4,7 milhões.

Na hotelaria, o Grupo Pestana viu o peso da América do Sul, onde o Brasil tem fatia de 60% nos negócios, crescer com a crise europeia. Em dois anos, o volume de negócios na região subiu de 15% para 40% do total. Em 2009, por exemplo, o hotel em Angra dos Reis foi o mais rentável da rede no mundo.

O Grupo tem olhado muito para o Brasil, independentemente da Copa e dos Jogos. Conversamos com empresas para fazer a gestão de hotéis. Isso é oportunidade de crescimento diz Luigi Valle, vice-presidente mundial do grupo.