Título: No lugar do brinquedo, banho de sol na cadeia
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 16/05/2010, O País, p. 14
Pesquisa mostra que há pelo menos 289 filhos de presas, com até 6 anos de idade, vivendo com a mãe na prisão
Elas não cometeram infração alguma e estão longe de atingir maioridade penal, mas vivem em cadeias brasileiras junto com adultos criminosos. No Brasil, pelo menos 289 crianças com até 6 anos de idade dividem celas com as mães e outras mulheres.
São submetidas às normas estritas da vida atrás das grades: hora para banho de sol, disciplina, comida sem sabor e dia certo para receber visitas de fora.
Quando aprendem a andar, passam a reproduzir o gestual da prisão. Há casos em que a criança, na presença de agentes penitenciários, vira-se de costas, abaixa a cabeça e põe as mãos para trás como as detentas.
Pesquisa da assistente social Rosangela Santa Rita, funcionária do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), relata os detalhes do cotidiano das criançasdetentas. A maior parte delas chegou às prisões no ventre da mãe e não foi apresentada à vida do lado de fora. Dos meninos e meninas que vivem assim, 58 ficam em celas comuns. Outras 107 ficam em creches e 124, em berçários espaços improvisados dentro dos presídios para abrigar crianças com as mães.
Segundo o estudo, 165 têm até 6 meses de idade e 102, entre 6 meses e 3 anos. Há ainda 22 crianças entre 3 e 6 anos.
Celas com um berço no meio
Na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, a ala reservada a mães, crianças e grávidas chamase berçário. Não fosse por um painel com ursinhos coloridos pintados à mão, seriam celas comuns com um berço no meio. Nas 12 celas, vivem oito grávidas, 21 mães e 21 bebês com até 6 meses. Todos dividem um banheiro. O ambiente é cuidadosamente limpo pelas mães.
Apesar de não ser ideal, o lugar é melhor do que as outras alas, onde cerca de 20 presas dividem celas com capacidade para 15.
No presídio, há dois clínicos gerais. Quando há necessidade de uma consulta com ginecologista ou pediatra, a presa ou a criança é encaminhada a um hospital da rede pública. As detentas reclamam que, quando há uma emergência, a segurança demora para chegar.
Falta muita coisa para a gente conta uma das presas, dizendo que o gosto da papinha das crianças é horrível.
Mesmo com deficiências, a agente penitenciária Carla Monteiro crê que, para muitas, o presídio é melhor que o lado de fora, pois a maior parte das detentas é pobre e não tem condição financeira de criar os filhos: Aqui elas têm mais assistência do que lá fora. Tem presa que chega aqui no fim da gravidez sem pré-natal. O problema é mais social do que criminal.
Luana de Souza, de 28 anos, presa por tráfico há quatro meses, pariu Lucas há dois. E conta que o problema maior é a convivência com as colegas: A gente briga muito. As mulheres conversam e a gente quer que os filhos durmam.
Elas não falam, gritam.
Amanda Almeida, de 23 anos, presa por assalto à mão armada e mãe de Adaílton, de três meses, não considera a prisão um ambiente saudável: Fui eu que fiz coisa errada.
Agora ele que está pagando.
No Brasil, a lei garante que a presa amamente a criança até os 6 meses e prevê a criação de creches para crianças maiores. Por falta de estrutura, o bebê que completa 6 meses no presídio do Distrito Federal é retirado da mãe e levado para a família. Danila Alves, de 25 anos, mãe de Melck, anda apreensiva. Na próxima quinta-feira, o bebê será entregue à avó e a presa será transferida para a ala comum: A gente pega amor, depois tem de mandar o bebê embora.
É a companhia da gente. A gente nem vê o tempo passar.
Apesar do sofrimento, Danila acredita que viver do lado de fora será melhor para Melck.
Não é um ambiente tranquilo para o bebê, porque a gente está presa. Não é um lugar bom para criança afirma.
Lucimara Carvalho, de 22 anos, presa por tráfico, chegou grávida ao presídio em 2009. Em 8 de abril deste ano, a criança foi mandada para ficar com a avó: Sofri demais. Foi de repente.
Eu estava no pátio e me chamaram.
Senti dor, parecia que arrancavam um pedaço de mim.
São raras as vezes em que uma criança maior permanece no presídio do Distrito Federal, mas acontece.
Ano passado, ficou uma menina até 1 ano e 1 mês, porque o juiz demorou para decidir com quem ela ia ficar. A menina virava e colocava a mão para trás quando a gente chegava.
Era de dar dó lembra a agente penitenciária Carla Monteiro.
As mães presas dão banho, alimentam e levam os filhos para duas horas diárias de banho de sol. O bebê dorme com elas, na cela. Após a partida, o bebê pode ser levado ao presídio uma vez por mês. Visitas semanais são autorizadas só a crianças com mais de 1 ano.
A realidade é diferente em cada presídio brasileiro. Em São Paulo, as mães presas podem ficar com os filhos só até eles completarem 4 meses. No Rio de Janeiro, o tempo máximo é de 6 meses. No Rio Grande do Sul, 3 anos. Na maior parte dos estados, não há regra. Segundo a pesquisa de Rosangela, não há espaços adequados para abrigar as crianças nos presídios.
Faltam leitos, funcionários, assistência médica e educacional.
Os instrumentos legais e normativos de proteção à mãe presa não são cumpridos na maioria dos estados brasileiros é ínfima a existência de berçários nas unidades prisionais, ficando as crianças também nas celas junto a outras mulheres que não necessariamente estão na mesma condição, informa a pesquisa.
(Nos presídios) há insuficiente preocupação com a primeira infância, com dimensões de saúde, educação, emocional e cognitiva de uma criança.
Em outro trecho, a pesquisadora mostra como crianças são submetidas ao regime prisional da mãe: As relações de poder formal e informal na prisão são percebidas como favorecimento e/ou dificuldade nas atividades voltadas ao exercício da maternidade, como, por exemplo, negação de banho de sol para crianças. A pesquisa foi feita com dados de 9.631 presidiárias (74,5% do total de presas no país). O novo juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luciano Losekann, anunciou que o órgão trabalhará para regularizar a situação das crianças.