Título: Concorrência em pauta
Autor: Palocci, Antonio
Fonte: O Globo, 16/05/2010, Opinião, p. 7

Nossa história econômica de décadas de alta inflação, crises do balanço de pagamentos e experiências erráticas dos sucessivos planos de estabilização criou a convicção de que a estabilidade econômica é um pressuposto básico para o crescimento de longo prazo. Hoje se consolida entre analistas e gestores públicos uma nova convicção: o crescimento sustentável se relaciona também com a construção de instituições que regulem o funcionamento dos mercados gerando segurança e previsibilidade.

As instituições incumbidas da defesa da concorrência têm um papel de grande destaque neste tema. O mais conhecido refere-se à repressão dos ilícitos que afetam a sociedade como um todo, como a imposição acordada de preços elevados por empresas que dominam a produção e distribuição de certos produtos. Outro mais complexo trata dos atos de concentração, que passam a dominar parcelas significativas de mercados de produtos ou serviços. Se no primeiro caso trata-se de ter agilidade e eficiência em coibir, no outro o objetivo é buscar um equilíbrio delicado entre concentração e concorrência, fenômenos não necessariamente conexos.

Tomemos como exemplo uma atividade determinante para o desenvolvimento: a inovação empresarial em processo, produto e tecnologia.

Sem dúvida, a competição entre firmas no mercado é um incentivo à inovação, pois seu esforço, no processo de concorrência, será a diferenciação pela qualidade do produto e pela inventividade, e não apenas pelo preço.

Mas o mundo da economia real também é feito de grandes empresas, que competem em mercados globais e que, para isso, necessitam de grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento, que levam frações significativas de suas receitas. Em diversos setores de atividade, o porte é a condição de buscar mercados externos e elevar a capacidade de inovação.

É o caso do mercado de petróleo e derivados, por exemplo.

Nesses casos, é fundamental que a autoridade antitruste tenha a faculdade de distinguir situações de abuso de outras que, ao exigir escala de bases amplas, produza benefícios sociais, justamente em função dos ganhos de escala. Esta realidade é muito comum em setores que dependem de ampla escala, de inovação e nos chamados monopólios naturais.

Não é tarefa simples o reconhecimento de cada situação determinada, e não há legislação que consiga prever todas as possibilidades. Por exemplo, na crise financeira global iniciada em 2008, processos de concentração se fizeram necessários como contraponto ao impacto em setores que, deixados a sua própria sorte, teriam sucumbido ao peso da redução abrupta da demanda ou da volatilidade do câmbio, destruindo empregos, empresas de bom histórico e um aprendizado tecnológico valioso.

Sem falar no fato de que, na própria origem desta crise, a pulverização dos serviços financeiros no mercado americano foi fator agravante e não atenuante.

Assim como empresas e pessoas, as instituições também aprendem e modificam suas práticas. Nesse aspecto, o Brasil tem feito avanços em suas instituições públicas de controle dos mercados. A exemplo do reconhecimento internacional do papel do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) tem realizado aperfeiçoamentos notáveis.

Além da maior celeridade nas decisões, tem buscado encontrar a melhor legislação possível para amparar os desafios postos por um país que passa a ter, em vários setores, companhias de classe mundial.

O Senado Federal tem hoje em pauta um projeto de lei que expressa todo esse aprendizado. Já aprovado na Câmara dos Deputados, a partir de um relatório competente e inovador do deputado federal Ciro Gomes (PSBCE), o PLC 06/2009 dá conta das modificações essenciais que propiciarão ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), e demais órgãos do sistema, a agilidade, a competência e a eficiência necessárias para julgarem de forma equilibrada os atos anticompetitivos e de concentração. Certamente, o Senado dará ao país este novo avanço institucional.