Título: As duas reformas foram insuficientes
Autor: Doca, Geraldo
Fonte: O Globo, 16/05/2010, O País, p. 4

Economista diz que, se não for feito ajuste, país terá de cortar aposentadorias ENTREVISTA Fábio Giambiagi

O Brasil poderá ser obrigado a cortar aposentadorias no futuro, como faz hoje a Grécia, se os governos não enfrentarem o problema da Previdência. Temos que evitar isso fazendo ajustes enquanto é tempo, para que sejam menos dolorosos, diz o economista Fábio Giambiagi. Ele defende um pacto, como ocorreu na Espanha. Mestre em economia pela UFRJ, Giambiagi é economista do BNDES e professor de Finanças Públicas. É autor de diversas publicações sobre o sistema previdenciário.

O GLOBO: Qual será o custo do adiamento de mais uma reforma na Previdência? FÁBIO GIAMBIAGI: O custo é as gerações futuras continuarem lidando com o fenômeno das aposentadorias precoces 51 anos para as mulheres e 54 anos, em média, no caso dos homens , muito abaixo da média internacional. Se nós cristalizarmos essa situação nas próximas décadas, a contrapartida terá que ser uma carga tributária ainda mais alta ou níveis deprimidos de investimento.

E, aí, fica difícil imaginar como a gente vai conseguir crescer 5% ao ano.

¿ Não adiantaram as reformas de Fernando Henrique e Lula? GIAMBIAGI: As duas reformas foram parciais e insuficientes porque deixaram de fora muitas situações que continuam a requerer mudanças, como regras diferenciadas para homens e mulheres e pensão integral, por exemplo. No caso de 2003, ainda falta aprovar o plano de previdência complementar para os funcionários públicos federais.

¿ No revezamento no poder, PSDB e PT trataram o tema Previdência conforme a conveniência do momento...

GIAMBIAGI: Esse é um assunto do qual, de modo geral, todos os grupamentos políticos, sem distinção, procuram fugir, por receio de serem estigmatizados contra a população ou contra os idosos. Geralmente, um partido que está no governo não consegue viabilizar medidas de ajuste. Nos últimos anos, inovamos em relação a outros países pelo fato de que a liderança de propostas demagógicas em relação ao assunto coube, curiosamente, a um parlamentar do governo, o senador Paulo Paim.

¿ Qual o caminho para fazer uma reforma ampla? GIAMBIAGI: Uma vez que os partidos se revezam no poder e todos se defrontam com o problema, chegou-se a certo grau de consciência em que governo e oposição estabelecem alguns temas como política de Estado, em que os interesses do país têm que predominar sobre os interesses do grupo político A ou B. Isso aconteceu na Espanha.

Estabeleceram regras de aposentadoria mais rígidas, aprovadas por ambos os partidos dominantes no país.

¿ O Brasil deve seguir isso? GIAMBIAGI: Isso deveria ser o caminho para aprovar medidas de ajustes, uma vez que nenhum partido isoladamente, sem entendimento político, consegue aprovar uma questão tão controversa. Uma agenda de reforma previdenciária envolve um conjunto de atributos para que ela possa ser bemsucedida: diagnóstico preciso; energia, porque é algo desgastante; convicção e persuasão, porque mexe com toda a população.

E, no caso brasileiro, uma dose muito grande de articulação política.

¿ O que pode acontecer? GIAMBIAGI: Temos que olhar para o aconteceu na Grécia, que tinha um regime fiscal benevolente em alguns aspectos, entre os quais aposentadorias.

Os partidos foram empurrando a questão com a barriga até chegar à situação mais indesejável, que foi o corte de 15% no valor das aposentadorias.

Isso é brutal, considerando as dificuldades que as pessoas têm nesse estágio da vida.

Temos que evitar que se chegue a isto, fazendo os ajustes enquanto é tempo.