Título: Acordo pode dificultar adoção de sanções
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Fonte: O Globo, 18/05/2010, O Mundo, p. 23
Com poder de veto no Conselho de Segurança, China ganha pretexto para adiar qualquer nova resolução
Do Washington Post
Numa longa batalha diplomática entre o Irã e o Ocidente, o Irã parece ter conseguido a vitória ontem. Ao chegar a um acordo para enviar parte de seu urânio para o exterior, o Irã criou uma ilusão de progresso nas negociações nucleares com o Ocidente, sem abrir mão de nada para os Estados Unidos e seus aliados, que exigem negociações reais sobre o programa. Há cerca de oito meses, EUA, França e Rússia propuseram uma troca de combustível nuclear como uma medida de confiança que teria, de fato, interrompido o programa iraniano e permitido o andamento das negociações internacionais. Agora, porém, ao chegar ao mesmo acordo com a Turquia e o Brasil, o Irã teve sucesso ao estreitar a discussão. O que era para ser um show à parte se tornou o evento principal. Como foi inicialmente proposta, a troca tiraria do país 70% do estoque de urânio com baixo grau de enriquecimento. Mas como o Irã continua a enriquecer urânio desde a elaboração da proposta, o acordo baseado nos mesmos termos removeria apenas 50% de todo o estoque iraniano. Enquanto isso, o Irã já começou a enriquecer urânio com grau ainda mais alto de 3,5% passou para 19,75% e membros de seu governo disseram que vão continuar elevando, mesmo que a necessidade para tal enriquecimento tenha sido negada no acordo de ontem. O governo Obama enfrenta agora a desconfortável possibilidade de rejeitar a proposta oferecida a princípio ou de ver meses de esforços para aprovar sanções indo por água abaixo. Ironicamente, a proposta de troca não tem nada a ver com as sanções sob consideração pelo Conselho de Segurança da ONU, que estão relacionadas à construção iraniana de uma outra usina secreta e ao fracasso de atender às exigências de parar o enriquecimento de urânio. E o primeiro rascunho do acordo faz apenas uma pequena referência à possibilidade de diálogo com países que lideraram as negociações EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Rússia, e China citando preocupações comuns com base em compromissos coletivos e de acordo com os pontos comuns de suas propostas. De forma significativa, o texto não menciona se o programa nuclear iraniano estará na mesa para futuros diálogos. Teerã, que insiste que o programa é exclusivamente para fins pacíficos, já disse repetidamente que não vai discutir, e o acordo com Brasil e Turquia reafirmou o direito de o Irã enriquecer urânio e até oferece a possibilidade de cooperação nuclear pacífica, incluindo construção de usinas nucleares e de reatores de pesquisa. Membros do governo americano já estavam altamente céticos em relação aos esforços de Turquia e Brasil, mas porque atualmente detêm assentos rotativos no Conselho de Segurança brasileiros e turcos têm influência. Em Teerã, o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, declarou que o acordo retira a possibilidade de novas sanções, sugerindo que terá grandes esforços pela frente para convencer qualquer um dos países sobre outra possibilidade. Brasil e Turquia, representados por seus líderes no encontro, investiram na diplomacia para as negociações. É raro um membro não-permanente do Conselho de Segurança intervir no processo liderado por forças nucleares, e de certa forma o resultado pode ser visto como uma revolta pelos direitos a programa nuclear e prestígio. Mais importante ainda, o acordo dá à China país que tem direito de veto no Conselho de Segurança e que resiste à aplicação de novas sanções uma desculpa para atrasar ou acabar com qualquer nova resolução. A maior esperança para os americanos agora é a intransigência iraniana. Os iranianos podem relutar contra os detalhes e a aplicação do acordo até que este caia, assim como Teerã já concordou previamente com a troca do material com os Estados Unidos e seus aliados antes de recuar.