Título: Brasil, a última chance do Irã
Autor:
Fonte: O Globo, 14/05/2010, O Mundo, p. 33

Embora cético, governo americano vê visita de Lula como recurso final para um acordo nuclear

TEERÃ e MOSCOU

Aforte expectativa que cerca a chegada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Teerã amanhã aumentou ainda mais com sinais de que o tempo para o Irã chegar a um acordo sobre o seu programa nuclear está se esgotando. Embora o governo iraniano tenha anunciado que pode concordar com o enriquecimento de seu urânio no exterior neste fim de semana, durante a reunião que terá com Brasil e Turquia, os Estados Unidos permanecem céticos e continuam a avançar no caminho das sanções. Segundo uma fonte no governo americano, a visita de Lula pode ser a última chance do Irã.

Apesar de dizerem que não desistiram da diplomacia, os EUA não acreditam que o Irã recue sem sanções e envia mensagens contraditórias. Publicamente, o país apoia os esforços de Brasil e Turquia para conseguir que o Irã aceite enriquecer urânio no exterior - o que evitaria suspeitas de enriquecimento do material para a fabricação de bombas. Mas numa ligação ontem para Ahmet Davutoglu, ministro do Exterior turco, a secretária de Estado, Hillary Clinton, deixou claro que não acredita na possibilidade de o Irã aceitar as exigências internacionais. Para os Estados Unidos, tudo não passa de uma tentativa iraniana para deter ações mais duras do Conselho de Segurança da ONU.

- Acho que deveríamos ver a visita de Lula como, talvez, a última grande oportunidade de (obter) um compromisso - disse a fonte do governo americano. - Não é que tenhamos desistido de um acordo. Apenas estamos céticos de que o Irã o aceite sem pressões adicionais.

Amorim revela otimismo cauteloso

Lula chega a Teerã amanhã, e no domingo deverá ser a vez do premier turco, Recep Tayyip Erdogan. O chanceler iraniano, Manouchehr Mottaki, disse esperar que o encontro trilateral termine num acordo.

- O presidente Lula e o premier Erdogan tiveram conversas suficientes com as potências mundiais, incluindo China, Rússia e os EUA, sobre a questão nuclear - disse Mottaki. - Logo, esperamos que o encontro trilateral leve à finalização de um acordo para a troca do urânio.

De acordo com um plano elaborado em outubro passado pela Agência Internacional de Energia Nuclear, o urânio iraniano seria enviado para a Rússia para ser enriquecido e depois para a França, para ser transformado em combustível para reatores. O governo iraniano insiste que a troca seja em seu território e imediata. Lula e Erdogan devem tentar persuadir o Irã a aceitar uma terceira opção, com a troca ocorrendo em outro país, provavelmente a Turquia, vizinha e muçulmana como o Irã.

Celso Amorim foi mais cauteloso do que Mottaki. Em Moscou, onde acompanha o presidente Lula, o chanceler brasileiro afirmou estar moderadamente otimista em relação à conclusão das negociações, mas disse que já há elementos presentes para um acordo.

- Estou otimista, mas cauteloso, porque sempre há mudanças que podem ocorrer. É muito importante conseguir contornar as desconfianças que são grandes de parte a parte, sobretudo entre alguns países ocidentais e o Irã. Brasil e Turquia têm excelente interlocução com esses países e também com o Irã. É muito razoável que esses países encontrem formas que consigam diminuir ou eliminar desconfianças, mas acho que é possível - disse o brasileiro.

Segundo Amorim, a principal barreira é a questão do lugar. Ele criticou o que vê como ênfase exagerada no tema.

- Tudo gira em torno da proposta feita pela AIEA. A gente está discutindo como vencer esse tema que se tornou quase místico, o lugar de troca. O mundo moderno permite trocas sem lugar especifico. Uma apólice relativa a investimento nos Emirados Árabes pode ser trocada por uma partilha de cota de carvão nos EUA, pode haver vários lugares.

O chanceler brasileiro voltou a ressaltar que a via defendida por países como EUA, França, Reino Unido e Alemanha é inviável, mas destacou que o Irã deve dar garantias claras de que não desenvolverá armas nucleares. Segundo ele, Lula pedirá essa garantia ao presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad.

- Simplesmente querer privar o Irã do uso pacifico da energia nuclear não vai funcionar.

Para o Departamento de Estado americano, "não há nada novo ou encorajador nas declarações iranianas" e, caso a visita deste fim de semana termine sem um acordo, o Irã deverá enfrentar as consequências.

A embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Susan Rice, disse que a tentativa de mediação brasileira não deteve os esforços para chegar a um consenso sobre a quarta rodada de sanções ao país e que fazem parte de uma estratégia de mão dupla: combinar a negociação com ameaça de novas sanções.

- (A mediação brasileira) não está impedindo progressos para chegar a um acordo. De fato, o P5+1 (EUA, França, Reino Unido, China e Rússia, mais a Alemanha) tem trabalhado intensamente - disse.

Para ela, esse progresso no debate das sanções reforça "a mão de Lula". Rice espera que o presidente brasileiro diga a Ahmadinejad que "a pressão está aumentando".

Logo depois, a Casa Branca informou que o presidente Barack Obama e o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, concordaram numa conversa por telefone em instruir seus negociadores a intensificarem os esforços na definição de novas sanções. Mais cedo, a Chancelaria russa havia advertido os EUA e outras potências ocidentais a não adotarem sanções unilaterais contra o Irã. A União Europeia poderia adotar suas próprias sanções caso o debate na ONU fracassasse.

COLABOROU: Fernando Duarte, de Moscou