Título: Justiça lenta e opaca
Autor: Ribeiro, Ludmila
Fonte: O Globo, 17/05/2010, Opinião, p. 7

Casos como o do casal Nardoni, da missionária Dorothy ou do estuprador de Goiás nos levam a ter certeza da necessidade de mudanças no nosso arcabouço jurídico. Mesmo após dois anos em vigor a reforma no Código de Processo Penal (CPP) não alcançou totalmente o objetivo de acelerar e simplificar os procedimentos penais que garantiriam maior eficácia aos direitos dos acusados, com a celeridade dos processos que tramitam na Justiça brasileira. Essa meta seria positiva para todas as partes envolvidas e a sociedade.

Processos mais céleres, respeitadas as prerrogativas de defesa e acusação, significam menos custos financeiros e ¿ com certeza ¿ emocionais. Significam cadeias menos cheias, portanto menos gente nas universidades do crime. No entanto, a pesquisa Pensando o Direito ¿ Novos Procedimentos Penais, realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, revela que poucos foram os progressos. O trabalho teve como foco a análise empírica da vigência das leis 11.719/08 e 11.689/08, que alteraram, respectivamente, os procedimentos judiciais para crimes comuns e dolosos contra a vida ¿ de competência do tribunal do júri.

Um ponto positivo da reforma foi o de fixar prazos mais claros para o processamento penal. No entanto, a fase do inquérito policial ¿ que não sofreu alteração ¿ continua uma das principais causas da morosidade.

A análise dos bancos de dados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) para processos de homicídios dolosos iniciados e encerrados entre os meses de agosto de 2000 e de 2008 (início da nova lei) revela que o tempo de processamento, desde o crime até a sentença, foi de 1.430 dias em média. O prazo limite pelo CPP é de 310 dias, ou seja, tempo 4,61 vezes menor.

Já a análise do período posterior à lei, no mesmo TJRJ, entre agosto de 2008 e setembro de 2009 indica tempo médio de 744 dias ¿ ainda assim mais do que o dobro do previsto. Estes números, contudo, não podem ser indicadores dos efeitos das novas leis, já que o TJRJ não repassou o banco de dados completo com todos os casos que foram iniciados, independentemente de terem sido ou não encerrados no período.

A reforma aproximou ainda as leis processuais penais e a Constituição Federal. Restam casos nebulosos, cujas compatibilizações caberão à atividade jurisdicional, o que gera insegurança. Os questionamentos às novas regras são muitos. Entre eles, o fim do protesto por novo júri; a pertinência do uso das audiências unas; o não uso de algemas pelo réu nas sessões do júri; a alteração na ordem da tomada dos depoimentos das testemunhas e do réu; e a aplicação, ou não, das novas leis a casos ocorridos antes de elas entrarem em vigor.

Ficou evidente a morosidade dos tribunais, além de, em alguns casos, a falta de transparência, com tribunais que não publicam as decisões proferidas em segunda instância para livre acesso de todos.

LUDMILA RIBEIRO é advogada e coordenadora da pesquisa Pensando o Direito, da Universidade Candido Mendes.