Título: Brasil na África esbarra na China
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 17/05/2010, Economia, p. 17

Gargalo de transportes e concorrência chinesa reduzem exportações para africanos em até 32%

Principal diretriz da política externa do governo Lula, a integração Sul-Sul corre o risco de passar por um enorme retrocesso, devido ao gargalo logístico entre o Brasil e os países africanos, especialmente na área de transportes. Essa situação é agravada pela presença agressiva dos chineses na região, que compram terras, levam mão de obra barata e ainda oferecem preços mais competitivos, tomando das empresas brasileiras contratos de bens e serviços.

O sinal de alerta surgiu há poucos dias, quando foi divulgada a balança comercial de abril. As exportações brasileiras para a África caíram 32% em relação ao mesmo mês de 2009. Foi o único mercado que apresentou redução. No quadrimestre, a queda foi de 14,8%. O país vendeu menos automóveis e partes, máquinas e equipamentos, cereais, minério de ferro e aviões para os africanos. No ano passado, as exportações somaram cerca de US$9 bilhões.

Para o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral, a China é a vilã da história. Por causa dos chineses, grupos brasileiros estariam deixando de ganhar licitações importantes em obras de infraestrutura:

- Os dados são assombrosos. Em 2009, a China vendeu US$50 bilhões para a África, o correspondente a um terço das exportações brasileiras (totais). Os chineses têm um mecanismo de financiamento muito agressivo.

Já o diretor do Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty, Norton Rapesta, acredita que o Brasil está "pagando o preço do sucesso". O país se mostrou disposto a ampliar o intercâmbio com a região e ganhou a simpatia dos líderes africanos. Mas não tem, no momento, condições de atender a todas as demandas.

Falta de engenheiros dificulta negócios

Além dos problemas estruturais e logísticos, que incluem a falta de linhas regulares aéreas e de navegação, a falta de engenheiros desestimula as empresas brasileiras a concorrerem em licitações:

- Não há mais engenheiros em infraestrutura e essa escassez também ocorre no Brasil. E não dá para contratar um engenheiro de outro país, porque o profissional precisa ter a cultura da empresa - diz Rapesta.

Por outro lado, as empresas brasileiras contratam mão de obra local para as obras, ao contrário da China. Segundo estimativas de fontes variadas, empresas daquele país já levaram para a África de 500 mil a um milhão de trabalhadores chineses.

Porém, mesmo se não houvesse chineses para concorrer e os profissionais qualificados existissem em abundância, a questão do transporte poderia minar qualquer tentativa de sucesso. É o que diz um relatório da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), encomendado pelo Itamaraty e obtido com exclusividade pelo GLOBO. Com poucas linhas de navegação e aéreas ligando o Brasil ao continente africano, praticamente todas por empresas estrangeiras, a saída seria aumentar o comércio, para que empresas privadas comecem a operar nas rotas, recomenda o estudo. Mas, com os chineses, afirma Welber Barral, o desafio se torna cada vez mais difícil de ser enfrentado. A China vende à África basicamente o que o Brasil exporta para a região.

- A África é um mercado muito interessante, com grandes possibilidades, principalmente em Angola e na Nigéria, onde o Brasil tem mais negócios. Mas os problemas também são diversos e passam pela dificuldade de financiamento - comentou Alfredo de Goye, dono de uma trading que atua no continente há cerca de 30 anos.

Especialistas afirmam que não há navios com bandeira brasileira levando e trazendo produtos para a África. No transporte de passageiros, a TAM realiza, atualmente, voos até a África do Sul. No entanto, o serviço é temporário e só foi lançado por causa da Copa do Mundo.

- Não é que não haja interesse. É que não adianta operarmos onde não temos retorno financeiro - explicou o vice-presidente Comercial da TAM, Paulo Castello Branco.

Segundo Roberto Nóbrega, representante de uma indústria de medicamentos genéricos, a concorrência maior vem da Índia:

- Eles contam com programas de financiamento que dão inveja.

- O maior gargalo do continente africano é a logística, principalmente a dificuldade de transportes (de interligações) com os outros continentes - disse José Diniz, diretor Internacional da Queiroz Galvão.

Segundo ele, mesmo assim, a África é um continente que precisa ser visto "pelos olhos do mundo". Dispõe de recursos naturais variados (minerais, vegetais, hídricos), mas é fundamental que sejam realizados projetos para potencializar essas riquezas e projetar esses países.

De acordo com a Camargo Corrêa, a despeito das dificuldades, a África continua sendo um mercado estratégico. A empresa atua em Angola e Moçambique em obras de construção civil, minas de carvão, energia e empreendimentos imobiliários.