Título: Consenso entre Irã, Brasil e Turquia
Autor: Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 17/05/2010, O Mundo, p. 22

Ministro turco revela acordo para a troca de urânio, mas anúncio só deve sair hoje

Depois de 18 horas de reuniões, o Irã, o Brasil e a Turquia chegaram ontem a um consenso sobre a troca de urânio enriquecido, uma medida que poderia amenizar as desconfianças dos Estados Unidos e de países europeus em relação ao programa nuclear de Teerã e evitar novas sanções ao país. O acerto, que contemplaria 1.200 quilos de urânio e teria a Turquia como fiel depositária, foi anunciado pela Chancelaria turca e confirmado ao GLOBO por um assessor da Presidência da República. Segundo a fonte, os detalhes serão anunciados hoje em Teerã pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e o primeiro-ministro da Turquia, Tayyp Erdogan. Lula e o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, evitaram o assunto durante o dia.

Foi o ministro de Relações Exteriores turco, Ahmet Davutoglu, quem primeiro revelou o acordo. A medida deve ser anunciada após uma revisão do texto entre os três presidentes nesta manhã.

- Sim, foi alcançado (um acordo) depois de 18 horas de negociações - disse o chanceler turco.

Erdogan, que anteontem informara que não compareceria à reunião do G-15 que ocorre hoje em Teerã (da qual o Brasil é um dos signatários), desembarcou ontem de madrugada no país, numa viagem de última hora.

- Vou ao Irã pois será adicionada uma cláusula à proposta que diz que a troca (de urânio) aconteceria na Turquia - disse Erdogan antes de embarcar.

O acordo fechado seguiria as bases das condições que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ligada à ONU, ofereceu a Teerã em outubro: a troca de 1.200 quilos de urânio para ser enriquecido no exterior, possivelmente em Rússia e França. No entanto, há mudanças em relação ao local da troca da substância, que agora seria feita em solo turco. Ainda não se sabe se a troca seria simultânea, como exigia o Irã, ou por partes, como queriam os EUA. Além disso, tampouco há confirmação de que o acordo vai satisfazer os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, que ameaçam Teerã com uma quarta rodada de sanções.

Garcia: "Teremos good news"

EUA, França e Reino Unido veem fortes indícios de que o Irã estaria fabricando material para bombas atômicas. Teerã nega, afirmando precisar do urânio enriquecido para produzir energia e para fins médicos. Quanto maior o grau de enriquecimento do material, mais próximo se está de uma arma nuclear. Inicialmente, a proposta previa a troca de urânio enriquecido a 3,5% por outro, a 20% (insuficiente para a fabricação de uma arma.

As informações sobre o acordo saíram depois de meia-noite (horário local). Antes disso, durante todo o dia de ontem, o clima foi de desinformação e chegou a se falar num anticlímax diante das declarações de Lula nos dias anteriores de que havia 99% de chances de convencer os iranianos a aceitar um acordo. Assessores cancelaram coletivas e evitaram dar declarações o dia inteiro, afirmando que os presidentes se pronunciariam quando fechadas as negociações.

O chanceler Celso Amorim permaneceu reunido com o ministro do Exterior do Irã, Manouchehr Mottaki, por todo o dia. Durou apenas 20 minutos o encontro privado de Lula com Ahmadinejad, que se referiu publicamente a Lula como "amigo e irmão", mas sem deixar pistas sobre um possível consenso. Depois, Lula esteve com o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, que o elogiou, afirmando que o Brasil "é independente diante da arrogância dos Estados Unidos", segundo a agência oficial Irna.

Nas aparições públicas, Lula demonstrava apreensão, embora ter indicado a jornalistas, nas duas únicas frases que disse - antes de ir ao jantar com Ahmadinejad e depois de voltar, às 23h - que ainda tinha certeza de que o acordo aconteceria. O assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, havia sido mais otimista.

- Amanhã (hoje) teremos good news (boas notícias).

Agradecimento ao "grande amigo" Lula

Na parte da tarde, depois de visitar o presidente do Parlamento, Ali Larijani, Lula e Ahmadinejad participaram do encerramento do 4º Encontro Empresarial Brasil-Irã. Ao contrário do que costuma fazer nessas ocasiões, Lula deteve-se ao discurso protocolar, lido. Ahmadinejad, por sua vez, depois de elogiar a economia brasileira e criticar o capitalismo mundial, terminou seu discurso, de 20 minutos, agradecendo a Lula, mas sem deixar sinais se haveria ou não acordo:

- Gostaria de agradecer mais uma vez meu grande amigo pela perspectiva independente e muito otimista que tem para as relações mundiais - disse. - O povo do Irã tem altíssimo respeito pelo senhor e temos certeza de que a colaboração entre os dois países, para estabelecimento de uma nova ordem mundial, baseada em valores humanos e Justiça, terá grande efeito.