Título: Ministro admite ter sido pressionado
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 14/05/2010, O País, p. 3
"Nenhum documento do governo Lula foi tão revirado do avesso", diz Vannuchi
As mudanças no texto do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) foram justificadas ontem pelo ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, como uma forma de se obter uma composição em torno das questões polêmicas do projeto. Ao comentar a revisão dos pontos criticados pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), como o da descriminalização do aborto e o da proibição da ostentação de símbolos religiosos em órgãos públicos, Vannuchi evitou falar em pressão, mas admitiu que houve recuo:
- Na vida política e na vida pessoal, o recuo é quase um pão de cada dia. Na política, tem de haver composição, tem de haver acordo entre partidos diferentes. Com relação à Igreja Católica, era importante deixar claro o respeito que temos pelo histórico de principal trincheira de defesa dos direitos humanos que durante muito tempo a Igreja Católica foi.
Segundo Vannuchi, a alteração do texto sobre o aborto foi uma determinação do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O ministro comunicou pessoalmente à CNBB, durante uma visita à entidade, que haveria a mudança. Mesmo com a modificação do item, são esperados questionamentos da Igreja Católica, assim como de movimentos de mulheres.
- As mulheres da luta pelo direito de aborto, provavelmente, vão expressar sua insatisfação. Nós vamos ficar no meio termo. A Igreja não vai considerar que está atendida na sua pretensão. porque não concorda com aborto em condição nenhuma. Ao mesmo tempo, temos que compreender o aborto como questão de saúde pública, que corresponde a uma antiga formulação do presidente Lula. Então é um ponto possível na busca de consensos mais amplos - afirmou o ministro.
Vannuchi, que participou ontem, no Rio, do seminário "Arquivos da Ditadura e Democracia: a Questão do Acesso", promovido pelo Arquivo Nacional, fez questão de destacar que apenas alguns itens, entre os mais de 500 do programa, foram alterados. No entanto, para ele, nenhum documento elaborado no governo Lula "foi tão revirado do avesso".
Diante dos ataques de entidades ligadas às empresas de comunicação, o governo também reviu parte do programa que faz referência à mídia. O ministro disse considerar injustas as críticas e explicou que a nova proposta tem o objetivo de impedir qualquer interpretação que seja relacionada com censura:
- Nós eliminamos o item que fala do ranking (dos veículos de comunicação menos comprometidos com os direitos humanos) e cortamos a metade de uma outra formulação que é positiva, no sentido de que as leis brasileiras têm que seguir exigindo que as concessões respeitem os direitos humanos. Era importante a nossa sinalização de que não há nenhum viés de censura à imprensa. Alteramos para deixar mais claro e amplo isso.
O ministro também afirmou que as modificações no trecho sobre a mediação de conflitos agrários - que chegou a ser interpretado como uma flexibilização do direito à propriedade - não foram motivadas por pressões dos ruralistas. Os termos, de acordo com ele, foram negociados com o ministro Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel.
Vannuchi falou ainda sobre o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade: para ele, com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a Lei da Anistia, a proposta deve sofrer menos resistência no Congresso. Ele aguarda a aprovação do texto, no entanto, somente no ano que vem.