Título: Os EUA nunca tiveram controle
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 19/05/2010, O Mundo, p. 29

O acordo costurado por Brasil e Turquia com o Irã alterou o cenário das negociações sobre o programa nuclear de Teerã e colocou os Estados Unidos numa situação difícil. A análise é de Flyn Leverett, diretor do Projeto Irã da New America Foundation. Ex-responsável pelo Oriente Médio no Conselho de Segurança Nacional dos EUA, ex-analista da CIA e professor da Universidade da Pensilvânia, Leverett acredita que Washington entrou em um ¿jogo arriscado¿ e vê como crucial a atitude da China para determinar o futuro da aplicação de sanções.

Fernando Eichenberg

Como o senhor avalia o acordo costurado por Brasil e Turquia com o governo iraniano?

FLYN LEVERETT: Brasil e Turquia são potências em ascensão e assumem significativa influência numa importante questão de paz e segurança internacional. Mostraram de forma polida, mas clara, que Washington não tem controle unilateral na discussão do programa nuclear iraniano. Isso põe Obama numa posição difícil. De um lado, os EUA não querem ser vistos dizendo ¿não¿ a progressos diplomáticos. Por outro, pararam na posição de George W. Bush sobre o enriquecimento e não querem ser vistos como se tivessem que se render.

A secretária Hillary Clinton insiste em sanções econômicas...

LEVERETT: Essa abordagem vai se voltar contra o governo. A China pode concordar com o esboço de resolução, mas não acredito que vá concordar com que ela seja rapidamente adotada. Os chineses dirão que é preciso dar uma chance a esse acordo. A secretária Clinton está apostando num jogo bastante arriscado.

Como vê as posições de China e Rússia nesse novo contexto?

LEVERETT: Acredito que China e Rússia concordaram com o que seria a linguagem do texto de uma nova resolução. A única ação concreta disso tudo é que o esboço aceito pelos membros permanentes do Conselho de Segurança agora será apresentado aos demais dez integrantes, incluindo Brasil e Turquia. A secretária Clinton está sob pressão, porque é como se o governo Obama tivesse perdido o controle da situação e que Brasil e Turquia passaram a liderar a via diplomática.

Para os EUA, o acordo é insuficiente e não responde questões da comunidade internacional.

LEVERETT: O que governo americano está dizendo é um tanto desonesto. Verdade que, segundo as resoluções do conselho, o Irã deve suspender todo o enriquecimento de urânio. Mas desde as negociações de outubro isso não foi mais colocado. É uma mudança de posição que pode ser vista como sinal de desespero. Os EUA nunca tiveram controle unilateral na discussão das sanções. O governo insistiu em mostrar mais controle do que realmente tem, e está pagando um preço por isso.

O senhor não acredita na votação de sanções em curto prazo?

LEVERETT: O próximo passo será a reação ao esboço da resolução. Será crucial acompanhar a posição da China. Os chineses concordaram com o esboço, mas será preciso ver o que farão quando o texto for colocado realmente em votação. Realisticamente falando, a resolução não entrará no calendário de votações antes de junho, na melhor das hipóteses.