Título: Hillary atropela acordo de Lula
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 19/05/2010, O Mundo, p. 29

EUA apresentam sanções no Conselho de Segurança, e Brasil anuncia que não entrará em debate

Apenas um dia após a assinatura do acordo obtido por Brasil e Turquia para o Irã enriquecer urânio no exterior, os Estados Unidos atropelaram o compromisso de Teerã ao anunciarem o rascunho de uma nova rodada de sanções.

A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, informou ontem que obteve o apoio dos demais membros permanentes do Conselho de Segurança para o novo texto, que foi apresentado ainda à tarde na ONU, numa reunião convocada às pressas.

Alcançamos um acordo para um forte rascunho com a cooperação tanto da Rússia quanto da China disse Hillary, destacando o apoio dos membros mais relutantes às punições ao Irã. Acho que este anúncio é uma resposta convincente aos esforços feitos por Teerã nos últimos dias.

Entre as sanções propostas estão medidas para banir investimentos internacionais no programa nuclear iraniano, novas restrições à importação de armas, mesmo as convencionais, e a proibição de qualquer atividade de transferência de tecnologia que possa levar ao desenvolvimento de armamento nuclear. Há também medidas para bloquear o uso do sistema financeiro internacional, particularmente os bancos e qualquer outra instituição financeira, para apoiar a proliferação de armas nucleares ou de mísseis, ainda que convencionais.

Os governos devem também fiscalizar qualquer transação financeira de bancos iranianos, inclusive o Banco Central, para impedir o suporte ao programa nuclear e à Guarda Revolucionária iraniana.

China quer Irã na mesa de negociação

Até ontem, o principal impedimento para a adoção de sanções era a resistência de Rússia e China, que têm laços estreitos com o Irã e poder de veto no Conselho de Segurança. Embora tenha elogiado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o premier turco, Recep Tayyip Erdogan, o embaixador russo, Vitaly Churkin, declarou que seu governo estava confortável com os termos adotados na resolução. Segundo o diplomata, a troca de urânio para uso em reatores de pesquisa e geração de energia é uma questão que não toca no cerne do problema: O acordo patrocinado por turcos e brasileiros foi uma iniciativa louvável, mas não resolve a questão central do problema, que é a insistência iraniana na continuidade do enriquecimento de urânio alertou.

Mais cedo, o ministro do Exterior chinês, Yang Jiechi, disse que estava encorajado pelo acordo obtido por Brasil e Turquia. À noite, no entanto, o chanceler afirmou que o objetivo das sanções é levar o Irã de volta à mesa de negociações, fazendo pressão para que o regime dos aiatolás cumpra suas obrigações com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA): As sanções debatidas hoje são específicas, visam a atingir o programa nuclear, e não as atividades econômicas iranianas de modo geral. É importante notar que a população não será punida nem o comércio internacional será afetado garantiu.

A reunião dos 15 membros do Conselho de Segurança convocada para debater a proposta de mais de dez páginas apoiada por EUA, França, Reino Unido, Rússia, China e Alemanha (o chamado P5+1) começou às 16h. Cerca de 40 minutos depois, a embaixadora Maria Luiza Viotti saiu da sala para marcar a posição do Brasil: O Brasil não vai se engajar no debate sobre essa resolução. O Brasil acredita que já existe um instrumento de negociação, que é um acordo importante que foi fechado ontem (anteontem) disse Maria Luiza. O Brasil ainda acredita na diplomacia.

Depois, a representante brasileira voltou à sala de reuniões. A apresentação da proposta do P5+1 demorou duas horas. Na saída, a embaixadora americana, Susan Rice, declarou-se confiante num processo rápido de tramitação da proposta, sem especificar um prazo. Mas algumas fontes falavam numa votação em junho.

O Irã prometeu cumprir as exigências da AIEA, abrir suas instalações.

E mesmo depois do acordo patrocinado por Brasil e Turquia, insiste em continuar este enriquecimento a 20%, o que não se justifica para fins pacíficos disse Rice.