Título: Quando a mudança do tempo verbal cria polêmica e divide as opiniões
Autor: Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 21/05/2010, O País, p. 4

Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral defende texto aprovado

BRASÍLIA. Autor do anteprojeto que resultou no projeto Ficha Limpa, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) saiu ontem em defesa das mudanças de redação feitas pelo Senado. Em nota, o movimento endossou a tese defendida pelo relator do projeto, Demóstenes Torres (DEM-GO), de que foram só emendas de redação ao texto, sem alteração de mérito. O Movimento entende que há outro artigo na lei que garante a aplicação das novas regras aos candidatos que têm problemas com a Justiça e cujos processos estão em andamento e podem ter desfecho após a sanção.

Em entrevista, integrantes do movimento elogiaram o Senado e abriram espaço para que o senador Demóstenes explicasse no que se baseia seu entendimento de que a mudança não implicou prejuízo ao projeto.

Segundo Demóstenes, o texto que saiu da Câmara tinha diferentes tempos verbais e, na discussão, o entendimento foi o de que era preciso harmonizar o texto: quatro dispositivos mencionavam "os que forem condenados" e quatro em "os que tenham sido condenados".

- O texto tinha uma verdadeira balbúrdia. Optamos por manter o texto que existia na Lei 64/90 (os que forem condenados), a expressão no futuro. Mas o artigo terceiro da lei diz sobre recursos interpostos antes da vigência da lei. Recurso só é apresentado por quem já foi condenado, por isso, a lei também vale para o passado - insistiu Demóstenes, referindo-se aos que já foram condenados, mas recorreram.

O relator afirmou acreditar que a expectativa do MCCE e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) era de que a lei fosse mais rigorosa, tanto que o projeto popular falava em condenados em primeira instância. Mas que a lei, como ficou, é um avanço:

- Acredito que 25% dos que disputarão as eleições não chegarão ao fim.

Chico Whitaker, um dos coordenadores do MCCE, argumentou que, na coleta de assinaturas, a ideia era que as regras abrangessem mais candidatos, garantindo que os que concorressem tivessem realmente ficha limpa. Ele insistiu que, apesar do texto negociado pelo movimento com o Congresso ter sido flexibilizado, o juiz sempre poderá levar em conta a vida pregressa do candidato.

O secretário-geral da CNBB, dom Dimas Lara, afirmou ontem que o grande mérito da luta pela aprovação do Ficha Limpa foi a educação para cidadania e um passo importante para que a ética vigore no processo eleitoral. Dom Dimas preferiu não polemizar em relação às mudanças:

- O projeto, como foi aprovado, vai contribuir para depurar a qualidade dos candidatos. A gama de crimes que implicarão inelegibilidade é grande.

Indagado se não incomodava o fato de o projeto só valer para novas condenações, ele recorreu a um projeto da Igreja que incentiva a reinserção de quem já cumpriu sua pena.

- A lei está atrás dos que, se aproveitando da morosidade do Judiciário, se candidatam mesmo respondendo a processos. O importante é um passado ilibado. Quem foi condenado merece segunda chance. Cabe ao eleitor (agir). Ele terá condição de escolher - afirmou Dom Dimas.

Na Câmara, deputados mantiveram as críticas às emendas do Senado. O relator do projeto na Câmara, José Eduardo Cardozo (PT-SP), acha que houve alteração no mérito do projeto e que isso abrirá margem para manobra de advogados na Justiça.

- Se era para harmonizar, deveriam ter optado pelo outro tempo verbal (no passado). Reforçaram a tese dos que acham que só vale para fatos futuros.

O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) acrescenta:

- A um projeto cercado de polêmica, o Senado acrescentou duas: mudou o mérito sem retornar à Câmara e o tempo verbal, projetando para fatos futuros.