Título: Maratona para evitar sanções
Autor: Oliveira, Eliane; Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 21/05/2010, O Mundo, p. 30
Amorim tenta convencer países, mas França diz que aprovação tem apoio de 12 dos 15 membros
BRASÍLIA
Às voltas com o maior desafio da política externa do governo Lula e em confronto direto com os Estados Unidos devido à questão nuclear iraniana, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, enfrenta uma maratona de conversas com chanceleres dos paísesmembros do Conselho de Segurança da ONU. Os contatos começaram na terça-feira, quando Brasil e Turquia foram atropelados pelo rascunho de resolução de sanções ao Irã, apresentado um dia após a assinatura da Declaração de Teerã. Até ontem, Amorim já havia falado com representantes de Rússia, China, Áustria, Bósnia, Japão, Reino Unido, Uganda e Turquia.
O diálogo com os EUA está suspenso desde segunda-feira, quando Amorim fez um relato à secretária de Estado, Hillary Clinton, sobre as negociações feitas em Teerã. Diante do embate, Amorim recorre a todos integrantes do Conselho de Segurança para deixar clara a posição brasileira de que a possibilidade de sanções não é definitiva e que o melhor é ¿dar tempo ao tempo¿, antes de se tomar qualquer atitude precipitada.
Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender a Declaração de Teerã. Para ele, aqueles que discordam do acordo precisam de inimigos para fazer política.
¿ Há quantos anos vocês ouvem essa briga entre EUA e Irã? Queriam colocar o Irã na mesa para negociar, que assumisse um compromisso com a agência nuclear. Fomos ao Irã e conseguimos, depois de 18 horas de reunião, depois de duas viagens do Celso Amorim, que o Conselho de Segurança queria há seis meses. É muito engraçado, porque algumas pessoas não gostaram. Tem gente que não sabe fazer política se não tiver um inimigo ¿ alfinetou Lula ¿ E sou daqueles que só sabe fazer política construindo amigos ¿ disse.
O presidente também atacou ¿a elite brasileira que escreve colunas¿ criticando a ação do Brasil no acordo, dizendo que o assunto não é da competência do Brasil. Lula disse ter educado seus cinco filhos ¿sem nunca ter dado um tapa na bunda deles, porque, se bater resolvesse, a gente não tinha tantos bandidos por aí¿.
¿ Nós temos uma contribuição ao multilateralismo que deveria ser levada em conta. Esse é o jeito de o Brasil fazer as coisas ¿ afirmou.
Irã ameaça suspender acordo
Já Amorim trabalha em duas frentes.
De um lado, o ministro estaria preocupado com novas reações iranianas.
Ontem, Teerã avisou que pode suspender o acordo em caso de novas sanções econômicas ao país. A declaração foi feita pelo vice-presidente do Parlamento, Mohamad Reza Bahonar, que admitiu ser ¿bastante possível¿ a quarta rodada de sanções.
¿ Se o Ocidente emitir nova resolução contra o Irã, não nos comprometeremos com a declaração de Teerã e o envio de combustível ao exterior será cancelado ¿ ameaçou Bahonar, citado pela agência ¿Mehr¿.
O teor da conversa de ontem entre Amorim e o chanceler iraniano, Manouchehr Mottaki, não foi revelado. O Brasil, no entanto, está empenhado para que o Irã ignore ameaças e envie, o quanto antes, a carta com os termos da declaração à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) ¿ postura semelhante à adotada pelo governo russo.
¿ Pedimos ao Irã que envie sua proposta à AIEA o mais rápido possível para que a troca possa ser acordada ¿ afirmou, em Moscou, o chanceler russo, Sergei Lavrov.
Amorim tenta ainda convencer os países a analisarem melhor os termos do acordo de Teerã. Ele está convencido de que o rascunho da resolução divulgado pelos EUA fora fechado com o grupo P 5 + 1 ¿ os cinco membros permanentes do conselho, mais a Alemanha ¿ antes do presidente Mahmoud Ahmadinejad concordar, por escrito, com o sistema de troca de urânio por combustível. Segundo um alto funcionário do governo brasileiro, o apoio dos membros permanentes do Conselho de Segurança aos EUA surgiu num clima de ceticismo que não se confirmou.
Apesar da maratona diplomática, o chanceler da França, Bernard Kouchner, se mostrou otimista. Em Paris, ele destacou que, dos 15 membros do conselho, só Brasil, Turquia e Líbano ¿ que ocupa a presidência rotativa até junho ¿ se opõem às sanções: ¿ Não posso ter certeza. Ninguém pode ter certeza, mas acho que o texto será aprovado.
Internamente, o governo discute o que pode ter levado Hillary Clinton a anunciar que seu país não abre mão de sanções. Uma das conclusões a que se chegou é que o presidente democrata Barack Obama, pressionado pela opinião pública, teme perder votos para os republicanos nas eleições legislativas de novembro.