Título: Nada a temer com o Irã
Autor: Brigadão, Clóvis
Fonte: O Globo, 22/05/2010, Opinião, p. 7

Acompanho com interesse o noticiário e as análises sobre o papel de mediador do Brasil no caso do programa nuclear do Irã. A grande maioria aponta para os altos riscos dessa diplomacia e para o potencial fracasso que a política externa estaria envolvida ao tentar intermediar o diálogo com o regime iraniano.

O Brasil, ao contrário da imagem que analistas divulgam como se fosse um neófito, mantém relações diplomáticas com o Irã desde a primeira década do século XX: desde a dinastia Qadjar, passando pela dinastia do Xá Reza Pahlavi, pelo Irã ocupado pelos ingleses e depois pelos soviéticos, com o Irã depois da Segunda Guerra Mundial, com o regime nacionalista de Mohammad Mossadegh (derrubado pela CIA), com a monarquia ditatorial de Reza Pahlavi e depois com a Revolução Islâmica de 1979.

O Irã é, como o Brasil, potência regional, tendo enriquecido o Islã e irradiado cultura em toda a Ásia. Hoje vive internamente o conflito entre o regime dos Aiatolás, da Guarda Republicana e de Ahmadinejad, e uma oposição, interna e externa, que luta pela abertura democrática e pelos direitos humanos e que, em algum momento, terá que ser resolvida pelos iranianos.

O papel de intermediação no diálogo com o governo iraniano não significa que o Brasil seja pró-Irã de Ahmadinejad ou que tenha optado pelo isolamento.

Querer também afirmar que o interesse (legítimo) do Brasil de conquistar seu assento no Conselho de Segurança da ONU teria sido uma derrapagem diplomática por essa postura de intermediar o diálogo com o Irá é, além de falaciosa, desconhecer toda a história dos que hoje ocupam os assentos permanentes do Conselho de Segurança, com seu poder nuclear e de veto sobre os destinos da Humanidade. Seria essa postura a dos que defendem um papel de bom-mocismo para o Brasil, sentado em seu berço esplêndido, com sua diplomacia bem comportada, ao sabor do status quo do poder internacional? É o momento de o Brasil, que acumula longa tradição de cultura e diplomacia de paz com seus vizinhos e com a comunidade internacional, ajudar a sacudir o mofo da ordem internacional e não ser submisso ¿ o que aparece nas entrelinhas das críticas ¿ e buscar seu lugar com valor inovador para nova e emergente ordem internacional.

Essa é a postura de quem quer participar da governança global e não permanecer em seu canto, onde nada quer, nada reivindica e nada conquista! Correr riscos, pagar pela conta da responsabilidade e não ter medo de entrar em jogos, onde há muita paranoia, é algo salutar para construir junto com a comunidade internacional, algo mais inovador.

Nada a temer!