Título: Uribe, popularidade difícil de transferir
Autor: Costa, Mariana Timóteo da
Fonte: O Globo, 23/05/2010, O Mundo, p. 36
Candidato governista disputa voto a voto com opositor nas pesquisas, apesar dos 63% de aprovação do presidente
As campanhas para as eleições presidenciais se encerram hoje na Colômbia, e a votação do dia 30 ainda é uma incógnita: o candidato governista, o ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos, está praticamente empatado nas intenções de voto com seu rival do Partido Verde, o ex-prefeito de Bogotá Antanas Mockus. Mockus teve ascensão surpreendente numa disputa que já era dada por especialistas como quase ganha pelo candidato de Álvaro Uribe ¿ o presidente que tornou o país mais pacífico depois de mais de 40 anos de guerra civil, trouxe de volta os investimentos estrangeiros e conta com 63% de aprovação popular após oito anos à frente do governo.
A disputa Santos-Mockus é mais um caso recente na política da América do Sul que mostra que nem sempre presidentes de alta popularidade conseguem transferila, em votos, para seus candidatos.
Aconteceu no Chile: Michelle Bachelet deixou o governo em março último com mais de 70% de aprovação, mas não elegeu o expresidente Eduardo Frei, que perdeu as eleições para o empresário Sebastián Piñera.
Pode acontecer com Lula, com índices semelhantes de popularidade, e Dilma Rousseff no Brasil.
Há quem diga que, na Colômbia, se Uribe tivesse se envolvido mais na campanha de Santos, seu candidato estaria mais bem colocado nas pesquisas.
A lei eleitoral do país ¿ dono de uma longa história democrática, com eleições diretas desde 1958 ¿ limita a presença do presidente em palanques e restringe seus discursos a favor de Santos. Mas isso, segundo Juanita León, diretora do site ¿La silla vacía¿, não se deu na prática.
¿ Uribe fez muita campanha para Santos. Apesar de não ter podido diretamente falar ¿votem no meu candidato¿, ele esteve constantemente na mídia pedindo ao povo para dar continuidade ao seu governo e, principalmente, insinuando que a Colômbia voltaria a ser um país inseguro caso Santos não fosse eleito ¿ diz.
Falta de experiência política prejudica Santos A questão da segurança é a base da popularidade de Uribe. Mesmo a oposição reconhece que nunca um presidente fez tanto contra os grupos guerrilheiros como as Forças Armadas Revolucionáriasda Colômbia (Farc) e os paramilitares que aterrorizavam fortemente o país até 2002, o ano do início de seu primeiro mandato como presidente. Além disso, passou a beneficiar quase três milhões de famílias com programas sociais e fez a economia do país crescer a níveis recorde. Seria natural que Santos, ministro da Defesa de seu governo entre 2006 e 2009, justamente os anos em que as Farc tornaram-semais debilitadas, fosse visto como o único capaz deseguir seus passos.
Mas analistas apontam três razões para isso não ter ocorrido na prática: a falta de carisma do candidato governista; sua inexperiência, decorrente do fato de ele nunca ter disputado uma eleição; e um certo desgaste do uribismo que, nos últimos anos, viu-se envolvido em escândalos de violência, corrupção e clientelismo.
¿ O problema é que Santos não é Uribe ¿ afirma Elza Cardoso, cientista política da Universidade Não podemos desprezar o fato de que o carisma, sim, é capaz de vencer uma eleição. Muita gente vota numa pessoa, e não num projeto de governo. Uribe é um clássico político populista: conversa e ouve o povo, promete melhorar suas vidas. Já Santos, filho de uma aristocrática família de Bogotá, não tem esta capacidade e é, de certa forma, associado a uma oligarquia antiga, distante.
Maria Teresa Ronderos, diretora da revista ¿Semana¿ de Bogotá, lembra também o fato de o candidato do Partido da U não ter experiência na disputa de eleições. Santos, além de ministro da Defesa de Uribe, ocupou as pastas de Comércio Exterior durante o mandato de César Gaviria (1990-1994) e da Fazenda durante a gestão de Andrés Pastrana (1998-2002).
¿ Ele é um homem sério, competente e habilidoso, mas sua imagem política não é tão forte ¿ concorda Elza Cardoso.
Outro problema, segundo Ronderos, está no uribismo em si. É inegável que os anos de governo Uribe melhoraram as condições gerais do povo colombiano, mas escândalos como a parapolítica (envolvimento de autoridades com grupos paramilitares), as escutas telefônicas e os falso-positivos (mortes de civis contabilizados como criminosos) criaram uma sensação, em boa parte do eleitorado, de que é tempo de renovação.
E é neste contexto que surgiu Antanas Mockus, um político independente e carismático, que não tem vínculo com grupos políticos tradicionais e vem de duas elogiadas (e criativas) gestões como prefeito de Bogotá, de 1995 a 1997 e de 2001 a 2004.
Pesquisa dá vitória de Mockus no segundo turno Enrique Peñalosa, que ocupou a prefeitura da capital colombiana entre os dois mandatos de Mockus, é um dos homens fortes da campanha do candidato do Partido Verde. Ele compara as atuais opções eleitorais dos colombianos: ¿ Votar em Santos é como comprar uma apólice de seguro: não traz felicidade a ninguém, mas a gente sabe que o dinheiro precisa ser gasto. Já votar em Mockus é como comprar uma passagem para Paris: gastamos o dinheiro com gosto, isso sim nos traz felicidade. Enquanto Uribe e Santos trabalham em cima do medo, nós trabalhamos em cima da esperança ¿ conta Peñalosa.
Para ele, o maior desafio da campanha de Mockus vem sendo mostrar à população colombiana que ela ¿pode ir a Paris com segurança¿.
¿ Nossas propostas são consistentes. Vamos manter o que Uribe fez de bom pela segurança, e melhorar o que ele fez de ruim, combatendo a corrupção, dando atenção à pobreza e às reformas estruturais que nosso país necessita ¿ diz Peñalosa, para quem Santos ¿só chegouaon de chegou¿ nas pesquisas por conta da popularidade de Uribe, um político experiente que tem alta capacidade de ¿atrair as massas como Lula, como Hugo Chávez¿. ¿ Santos é um homem sério, um bom gerente, mas sua campanha não gerou nenhum entusiasmo.
O ex-prefeito de Bogotá afirma que Mockus e seus aliados já estão preparados para enfrentar uma ¿dura batalha¿ no segundo turno que, ao que tudo indica, acontecerá em 20 de junho. Ontem, uma nova pesquisa da Datexco mostrou Santos com 35% das opções de votos no primeiro turno, e Mockus, 34%. O candidato do Partido Verde, no entanto, venceria o segundo turno, com 45% contra 44%.
Peñalosa diz que a disputa pela Presidência colombiana ficou mais ¿suja¿ depois que Santos usou a consultoria do marqueteiro político venezuelano J.J. Rendón na campanha.
E que certas estratégias adotadas por aliados do candidato do Partido da U podem estar tirando votos do verde Antanas Mockus.
¿ Nossos inimigos se dedicam a assustar os eleitores, especialmente os mais pobres.
Falam que os programas assistenciais vão acabar e que a guerra vai voltar caso Mockus seja presidente. Não sei quem espalha este monte de mentira, mas muita gente alimenta. No segundo turno, a briga vai ser boa. E nós manteremos nossa postura: reagir com boas propostas para governar o país.