Título: Caso iraniano põe em questão visão de mundo multipolar
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 23/05/2010, O Mundo, p. 34
Emergentes avançam na economia, mas ainda enfrentam dificuldades na política internacional
Brasil e Turquia entraram, sem serem convidados, num terreno até então exclusivo das potências mundiais: o programa nuclear do Irã.
Mas o acordo que conseguiram em Teerã, com o objetivo de responder à suspeita internacional de que a república islâmica prepara uma bomba nuclear, foi ignorado por Washington. Os americanos conseguiram o apoio das outras potências do Conselho de Segurança da ONU para dizer que os termos não são suficientes e que levarão adiante uma nova rodada de sanções contra o país.
O episódio lançou entre observadores do cenário político internacional a questão: num mundo multipolar, há espaço para os emergentes no processo de decisão? No campo econômico, eles conseguiram forçar a porta e fazer com que o seleto clube do G-8 (as sete economias mais ricas do mundo e a Rússia) incorporasse emergentes num G-20. Um fator foi decisivo: com os emergentes crescendo, ao mesmo tempo em que economias dos países ricos estão em crise, não dá mais para tomar grandes decisões sem eles.
`Mensagem destinada apenas ao Irã¿
Mas que peso emergentes como Brasil ou Turquia têm ou podem ter para furar a barreira também no campo de segurança internacional, como no caso iraniano? Especialistas ouvidos pelo GLOBO divergem na interpretação deste tema. Clóvis Brigagão, diretor do Centro de Estudos das Américas, da Universidade Candido Mendes, acha que o caso do Irã é um exemplo da dificuldade que países emergentes encontram para romper a ordem mundial vigente ¿ uma ordem, segundo ele, caduca, porque é baseada num mundo pós-Segunda Guerra Mundial.
¿ A Segunda Guerra acabou há 70 anos. É preciso tirar o mofo ¿ critica. ¿ Os Estados Unidos e outros países do P5 (membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU) não abrem espaço a essa mudança.
Para ele, está clara a razão para a resistência aos emergentes: ¿ No fundo, não querem compartilhar o poder, não só os EUA, mas também a Velha Europa, pois França e Reino Unido não têm mais tanto poder quanto antes.
A visão é bem diferente da de Corentin Brustlein, do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri), em Paris. Para ele, é um erro interpretar o anúncio de Washington de que o Conselho de Segurança irá adiante nas sanções contra o Irã, apesar do acordo turco-brasileiro.
¿ Não se deve ler o projeto de resolução para sanções como rejeição à influência de potências médias ou como forma de mostrar que as grandes potências estão no comando ¿ avalia. ¿ A mensagem é destinada ao Irã, e só a ele.
O analista considera a participação turco-brasileira no debate nuclear iraniano ¿positiva¿, citando a participação da Coreia do Sul no caso do programa nuclear norte-coreano para mostrar que há espaço para emergentes. Mas, retoma o argumento de que o Irã estaria usando Brasil e Turquia para ganhar tempo. Brustlein lembra que, desde 2003, as potências assistem ao mesmo cenário: um Irã que aparenta boa vontade, mas se retrai na hora de agir.
Segundo o Acordo de Teerã, o Irã concorda em depositar 1.200 quilos de urânio levemente enriquecido na Turquia. Em troca, receberia 120 quilos do material enriquecido a 20% para um reator. Esse é outro problema: em outubro, isso correspondia a 70% de seu estoque de urânio, mas hoje a apenas 50%, pois o Irã já aumentou suas reservas desde então.
¿ O acordo é bem-vindo, mas na condição de que seja acompanhado por outros gestos que permitam acabar com as inquietações sobre o programa nuclear iraniano ¿ diz Brustlein. ¿ A resolução é para mostrar ao Irã que não somos patetas. O Irã tenta ganhar tempo.
Outro pesquisador francês do Iris, Thierry Coville, diz não ver empecilhos para uma participação dos emergentes nas negociações.
¿ Não acho que eles (emergentes) vão resolver todos os problemas. Mas a globalização reclama um novo modo de governança. Ver os países emergentes no plano diplomático é uma muito boa notícia ¿ afirma.
Depois de assumir prometendo distância da desastrada política externa do governo George W. Bush, e quebrar tabus, como, por exemplo, ao fazer um já histórico discurso ao mundo muçulmano no Cairo, o presidente Barack Obama, já dá sinais públicos de preocupação com a crescente demanda por uma nova ordem mundial.
¿ Os EUA estão firmes no fortalecimento de velhas alianças que nos serviram e tentarão também construir novas parcerias para delinear padrões internacionais mais fortes. A ordem internacional que buscamos é a que possa resolver desafios de nosso tempo ¿ garantiu Obama, ontem, numa cerimônia de formatura de cadetes em West Point, no estado de Nova York.
Para Bruce Dickson, professor de Relações Internacionais e de Ciências Políticas da Universidade George Washington, nos EUA, não há contradição no discurso por um mundo multipolar ao mesmo tempo em os EUA tentam aprovar sanções aos iranianos. Segundo ele, o P5, de um lado, e Brasil e Turquia, do outro, almejam o mesmo fim, por caminhos diferentes¿ ¿ Não foi algo unilateral. Foi um esforço multipolar, tentando incluir outros países, enquanto Brasil e Turquia faziam algo em separado.