Título: Superaquecimento, supergargalo
Autor: Oswald, Vivian; Doca, Geraldo
Fonte: O Globo, 23/05/2010, Economia, p. 27
É preciso investir R$ 168 bi por ano em infraestrutura, mas país destina só R$ 106 bi Martha Beck
O aumento dos juros e o corte de R$ 7,6 bilhões nos gastos públicos, ações do governo para tentar esfriar a fervura da economia no primeiro trimestre, levaram em consideração a incapacidade de o país crescer a um ritmo chinês, acima dos 7,5%.
Faltam estrutura física ¿ especialmente nas áreas de logística e energia ¿ e mão de obra qualificada. Para reduzir os gargalos, são necessários R$ 168 bilhões anuais, por pelo menos cinco anos, em investimentos privados e públicos em infraestrutura básica.
Trata-se de um desafio de cerca de R$ 61 bilhões por ano ¿ quase duas vezes o orçamento da Petrobras para exploração e produção de petróleo em 2010. Isso considerandose que o melhor desempenho em investimentos dos últimos anos ocorreu em 2008, quando o desembolso chegou a R$ 106,8 bilhões. As projeções são da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).
¿ Sem isso, não há como crescer mais ¿ sentencia o vice-presidente da Abdib, Nilton Lima Azevedo.
O setor de cimento sintetiza a agonia do setor produtivo nacional. As vendas subiram 15% até abril e deverão apresentar no ano elevação de praticamente o dobro do estimado anteriormente.
Mantido o atual ritmo, haverá um estrangulamento mais adiante, diz o vice-presidente Executivo do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento, José Otavio Carvalho. Ele alerta que não há como seguir nessa velocidade até 2011 e, a curto prazo, não descarta importações em determinadas regiões do país onde a demanda venha a ser mais forte: ¿ Pode acabar afetando o abastecimento mais na frente. O transporte de cimento é feito 98% por rodovias, que têm problemas sérios.
Os portos não estão aparelhados para receber carregamentos regulares de cimento.
Já os aeroportos estão esgotados. Com o aumento da demanda nos paulistas Congonhas e Guarulhos, TAM e Gol direcionaram conexões para Brasília, Confins (BH) e Galeão. Ainda assim, se queixam de que falta pátio para estacionar.
O terminal de Curitiba, que fecha no inverno, ainda não dispõe de um equipamento chamado ILS, para operação com pouca visibilidade. Para complicar, não há espaço para que os aviões pernoitem, pois é um ponto intermediário importante entre São Paulo e Porto Alegre.
Segundo estudo da Coppe (UFRJ), os investimentos projetados (R$ 6,5 bilhões) são muito baixos. Se a Infraero não conseguir executar todas as obras, a expansão do número de passageiros embarcados e desembarcados ficará limitada. Em vez de alta de 8,5% ao ano para 192,35 milhões de pessoas, será de 6,4%, para 174,15 milhões. Ou seja, 18,2 milhões no chão.
¿ Dependendo do que for investido, as empresas vão trazer menos aviões, cortar rotas, e o preço das passagens pode subir ¿ alertou o pesquisador da Coppe Elton Fernandes.
No Espírito Santo, o problema é a inexistência de terminal internacional de carga no aeroporto.
Maior exportador de mamão papaya do mundo, o estado tem de enviar as frutas de caminhão ao Rio para, então, exportar pelo Galeão.
O problema é que o crescimento econômico vai complicar ainda mais o movimento da BR-101 ¿ utilizada pelos produtores de mamão e maior rota rodoviária do país ¿ e dificultar o escoamento da produção para outras regiões do Brasil e para o exterior, segundo o governo capixaba. As estradas brasileiras são o principal canal de escoamento nacional, mas 65% delas estão em estado deficiente a péssimo.
A navegação de cabotagem não é alternativa porque é precária, e os portos, cujo movimento chegou a 750 milhões de toneladas em 2009 e crescerá 10% este ano, dão sinais de esgotamento.
O Porto de Vitória, por exemplo, precisa de reformas para receber o número crescente de contêineres mais pesados e atender à forte demanda de cruzeiros internacionais.
Do Sul ao Ceará, arroz vai de caminhão
Por isso, os produtores de arroz gaúchos preferem mandar o produto de caminhão até o Ceará, segundo Wilen Manteli, da Associação Brasileira de Terminais Portuários. Porém, um caminhão transporta de 25 a 30 toneladas, enquanto um navio, de 30 mil a 50 mil. Manteli aponta ainda que a burocracia é inimiga: dentro dos portos, há de 25 a 30 órgãos públicos. Sem os entraves, o custo do frete dos transportes marítimo e hidroviário seria reduzido em 40%.
¿ É mais caro levar soja do Mato Grosso ao Paraná do que exportar para a China ¿ lamenta o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.
A oferta de energia é outro gargalo histórico.
Na Zona Franca de Manaus, os fabricantes locais são constantemente submetidos a picos e quedas de energia. Além de terem de investir em milionários sistemas próprios de no-break e geradores, há perda de produção. Uma típica fábrica de componentes eletrônicos pode perder de US$ 7 mil a US$ 15 mil por hora por linha de produção atualmente.
Lá as companhias sofrem com o acesso limitado ou desigual às telecomunicações. A concentração do crescimento no eixo Rio-São Paulo nunca incentivou uma expansão em massa da rede de cabos e fibras ópticas. O diretor do Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam), Fabio Lampert, afirma que as empresas chegam a pagar 20 vezes mais do que concorrentes em outras regiões para ter internet.
Na capital federal, que tem o maior percentual da população com acesso à banda larga, uma operadora líder de mercado tem enfrentado interrupção constante da internet sem fio. Como resposta, tem dito a clientes que a demanda por banda larga móvel cresce exponencialmente, e a velocidade de instalação de torres de transmissão não acompanha.
Segundo o ex-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Elifas Gurgel, muitas operadoras enfrentam resistência dos governos estaduais ou municipais para instalar torres, por questões urbanísticas ou ambientais.
O superaquecimento esbarra na lentidão do ritmo dos investimentos, que desestimula ampliação do parque industrial. Quando a economia explode, como no primeiro trimestre, o jeito é importar. A Samsung ¿ cujas vendas subiram 50% no primeiro trimestre ¿ está trazendo painéis e componentes eletrônicos para televisores da Ásia para Manaus, de olho na Copa.
¿ O consumo mundial se acelerou bastante no fim do ano passado e criou dificuldades para as empresas atenderem às suas demandas ¿ relatou Marcio Portela, diretor de Divisão de Eletrônicos e Consumo da Samsung.
O RITMO DOS SETORES E SEUS ENTRAVES
ENERGIA O consumo total de energia elétrica cresceu 9,6% no primeiro trimestre, liderado pela indústria. O número de consumidores chegou a 56,5 milhões, alta de 1,9 milhão em 12 meses. A busca por energia foi tão grande que movimentou o mercado livre (energia não previamente contratada), cuja taxa de expansão de 16,7% foi quase o dobro, em março, da taxa do consumo já contratado. A confiabilidade do sistema é insatisfatória diante do aquecimento da economia, segundo o Ipea
TELEFONIA O número de novos celulares no país aumentou 72,3% no primeiro quadrimestre de 2010 sobre igual período de 2009. Foram 6,806 milhões de habilitações, elevando a base do país para 180,765 milhões. Isso obrigou empresas a instalarem mais torres em áreas com grande concentração de usuários ¿ um dos gargalos é a legislação de estados e municípios que dificulta a instalação dessas torres
AEROPORTOS O número de passageiros por quilômetro voado aumentou 32,2% nos primeiros quatro meses de 2010, contra 17,6% em 2009. Os terminais precisam de ampliações, modernização e mais recursos. Sem isso, a expansão do setor será freada, impedindo, por ano, 33 mil novos pousos e decolagens e o transporte de 18,2 milhões de passageiros nos próximos 4 anos. Nos terminais de carga, o movimento, que caíra 12,37% em 2009, subiu 16,65% no primeiro bimestre
PORTOS O movimento nos portos brasileiros chegou a 750 milhões de toneladas em 2009 e deve crescer, no mínimo, 10% este ano, segundo a Associação Brasileira de Terminais Portuários. Os portos precisam crescer e se aparelhar para fazer face a esse aumento, mas a burocracia impede investimentos
RODOVIAS Maior concessionária do país, a CCR viu o tráfego de suas estradas crescer 9% no primeiro bimestre, contra 4,5% em 2009. Excesso de movimento, poucas vias, má conservação e pedágio caro prejudicam e encarecem o transporte pelas rodovias, que respondem por 58% da carga dentro do país. Só 12% delas são pavimentadas.
Mais de 65% das estradas federais estão em estado deficiente a péssimo
AGROPECUÁRIA Não faltam exemplos. Maior exportador mundial de mamão papaya, o Espírito Santo não pode vender a partir do próprio estado por não ter terminal de carga internacional. Precisa enviar as frutas de caminhão ao Rio para exportar do Galeão. O crescimento econômico vai complicar ainda mais o movimento da BR-101, principal rota rodoviária do país, e dificultar o escoamento da produção
TELEVISORES O aquecimento da economia e a Copa devem aumentar as vendas de TVs em 50% este ano. Empresas estão importando componentes para dar conta da demanda
O RETRATO DOS PROBLEMAS
INVESTIMENTOS ANUAIS NECESSÁRIOS EM LOGÍSTICA E INFRAESTRUTURA PARA ACABAR COM OS GARGALOS DA ECONOMIA (nos próximos 5 anos)