Título: Um Bolsa Família carioca
Autor: Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 23/05/2010, Rio, p. 16

Programa da prefeitura de complementação de renda deve beneficiar 300 mil pessoas

Um Bolsa Família 2.0. Assim o economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, define um programa que o prefeito Eduardo Paes lançará em julho. O futuro Bolsa Carioca complementará o benefício do Bolsa Família, do governo federal, e deverá atingir cem mil famílias (ou 300 mil pessoas). Elas terão a renda mensal suplementada para alcançar R$ 120 per capita, havendo um limite de quatro beneficiados por família.

A estimativa de Paes é gastar entre R$ 130 milhões e R$ 140 milhões anualmente com a implementação do projeto, que considera inovador.

Segundo o subsecretário da Casa Civil e coordenador operacional do programa, Marcello Faulhaber, com o Bolsa Carioca, a cidade atingirá em um ano uma das metas para o milênio fixadas pela ONU: a de reduzir em 50% a pobreza entre 1990 e 2015.

¿ Serão 15 anos em um. Diminuiremos em pelo menos à metade a quantidade de pessoas que estão abaixo da linha de pobreza. No Rio, não haverá mais famílias, com quatro pessoas ou menos, com renda inferior a R$ 120 per capita ¿ garante Faulhaber.

O valor equivale a US$ 2 (R$ 3,7) por dia, per capita, limite de pobreza estabelecido pela ONU para países como o Brasil. Para nações com pobreza extrema, como alguns africanos, a ONU fixou o mínimo de US$ 1 (R$ 1,86) diário, por pessoa.

¿ Seguimos uma linha internacional para fixar a renda mínima per capita na cidade ¿ comenta Neri, coordenador técnico do programa.

Ele chama a atenção para números que revelam que, entre 1996 e 2008, a desigualdade se manteve no Rio e diminuiu no país. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, mostrou que o coeficiente de Gini (um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade de renda e 1 à total desigualdade) permaneceu em 0.57 no Rio, entre 1996 e 2008. No país como um todo, diminuiu de 0.60 para 0.545 no mesmo período.

¿ O Rio é mais desigual do que o Brasil ¿ diz Neri.

Frequência escolar vai ser cobrada

Para as famílias com filhos matriculados em escolas da prefeitura, o programa incorporou propostas da secretária municipal de Educação, Claudia Costin. Em vez dos 85% fixados pelo Bolsa Família, os estudantes de famílias beneficiadas pelo Bolsa Carioca precisarão ter 90% de frequência nas salas de aula. O pai ou a mãe também terão de comparecer às reuniões bimestrais nas escolas dos filhos. Além disso, os estudantes deverão melhorar as suas notas na Prova Rio (que avalia o desempenho dos alunos). Cada um desses itens tem um peso no valor repassado.

¿ Teremos um sistema sólido e fundado na educação ¿ afirma Claudia Costin.

De dois em dois meses, a Secretaria de Educação vai informar os responsáveis pela implementação do programa sobre o cumprimento das exigências educacionais. No primeiro bimestre, os pais serão advertidos.

Se no bimestre seguinte o problema persistir, a parcela do benefício correspondente ao item descumprido será cortada.

¿ Queremos que as famílias possam viver de forma mais digna ¿ diz o prefeito. ¿ O Bolsa Carioca vai garantir uma renda mínima e, ao mesmo tempo, exigir o envolvimento de todos na educação das crianças daquela família, cobrando a participação de pais e alunos na vida escolar com ainda mais rigor do que no Bolsa Família. Queremos ajudar a melhorar a vida das atuais gerações e preparar os futuros cidadãos para terem mecanismos próprios de construir uma realidade melhor.

O subsecretário da Casa Civil esclarece que o valor mínimo a ser pago será de R$ 20 por família. Ele explica ainda que o limite de quatro pessoas beneficiadas por família visa a evitar uma explosão de natalidade: ¿ Sem limitador, o Bolsa Carioca poderia estimular os casais a terem mais filhos para receber mais.

O cadastro do Bolsa Família ¿ feito pela Secretaria municipal de Assistência Social para o governo federal ¿ será a base do Bolsa Carioca. No programa federal, estão cadastradas 238.950 famílias, sendo que 166.751 recebem o benefício da União. Aquelas com renda de até R$ 70 per capita por mês ganham R$ 68, além de valores relativos a crianças e adolescentes (caso tenham filhos). Aquelas com renda de R$ 70 a R$ 140 mensais per capita recebem R$ 22 por criança de até 15 anos (máximo de três) e R$ 33 por adolescente de 16 e 17 anos (até dois). Ou seja, o Bolsa Família varia de R$ 22 a R$ 200.

Diferentemente do Bolsa Família, a versão carioca utilizará a renda estimada e não a declarada pela família, para calcular o valor do benefício.

Uma metodologia criada por Neri permitirá chegar à renda estimada per capita. Serão levados em conta dados que constam do cadastro, como bens de consumo e salários. A essa renda será somado o valor do Bolsa Família. O que faltar para atingir R$ 120 será complementado.

Em média, a prefeitura acredita que o Bolsa Carioca dará R$ 100 por família carente. Um estudo de Neri mostra que de 15% a 23% da população de Santa Cruz e da Cidade de Deus receberão o Bolsa Carioca.

Percentualmente, a Cidade de Deus terá mais pessoas beneficiadas (23% dos moradores, ou 9.337). Em números absolutos, Santa Cruz lidera, com 57.621 beneficiados.

Os detalhes da implantação do Bolsa Carioca estão sendo decididos, mas Faulhaber estima que, em agosto, comecem a ser entregues os cartões.

A família será informada, por carta, de que poderá buscar seu cartão. Ainda não foi decidido se a distribuição será realizada nas 40 unidades do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) ou nas agências da Caixa Econômica Federal (CEF). O saque será feito na CEF ou em loterias