Título: `É perverso deixar alguém continuar analfabeto¿
Autor: Benevides, Carolina
Fonte: O Globo, 23/05/2010, O País, p. 14

Professora há 28 anos, Claudia Fernandes, coordenadora da Pós-Graduação em Educação da UniRio, vê com ressalvas a recomendação do CNE para todas as escolas do país. ¿Desacompanhada de reorganização pedagógica, vai acabar com o problema da reprovação nos três primeiros anos, mas vai reprovar no quarto.¿

Como a senhora vê a proposta do CNE de não mais reprovar os alunos dos três primeiros anos do ensino fundamental?

CLAUDIA: Pode ser um avanço se forem pensadas maneiras de implementar esse sistema. Mas sabemos que boa parte das escolas brasileiras só tem professor e giz. Não são bem equipadas, os professores dão aulas para turmas com mais alunos do que o ideal, não têm formação continuada e trabalham sem ter acesso às novas tecnologias. Desacompanhada de reorganização pedagógica, a promoção automática vai acabar com o problema da reprovação nos três primeiros anos, mas vai reprovar no quarto ano.

O CNE diz que as escolas terão autonomia para decidir as estratégias que vão adotar.

CLAUDIA: A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) determina que cada escola tenha autonomia. Mas se elas ficarem à sua própria sorte, provavelmente o sistema não dará certo. É preciso que tenham apoio das secretarias de educação e do MEC, medidas que sejam comuns a todas e apoio logístico e financeiro.

Ao adotar a progressão automática, a escola deixa de avaliar os alunos?

CLAUDIA: Avaliação não é sinônimo de prova, aprovação ou recuperação. O senso comum acredita que a reprovação garante mais qualidade e aprendizagem, mas o que garante uma boa escola são professores bem formados e com recursos para trabalhar, boa gestão e equipamentos que possam ser usados para auxiliar o aprendizado. Tanto que reprovamos e mesmo assim temos alunos que não sabem ler, escrever ou calcular. Então, acredito que quando há progressão automática é preciso que haja um processo de avaliação até mais criterioso e qualitativo.

A evasão escolar diminui quando a progressão automática é implementada?

CLAUDIA: A educação está colada ao contexto social, e é fato que as crianças que são reprovadas várias vezes abandonam a escola. Então, historicamente, há uma melhora nesses índices, assim como há melhora também nos índices de rendimento com a progressão automática.

E isso é positivo?

CLAUDIA: Tem um lado bom, porque as crianças ficam na escola, não vão para as ruas, nos grandes centros podem até ficar afastadas do tráfico, mas o problema é: estão na escola de que maneira? Estão aprendendo? A progressão automática não pode só ter essa justificativa, de manter as crianças em sala de aula, justificativas econômicas, como baratear o ensino, ou de melhorar os índices. É perverso reprovar, mas é perverso também deixar alguém frequentando a sala de aula e continuar analfabeto.