Título: O turno da hora extra
Autor: Barbosa, Flávia; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 25/05/2010, Economia, p. 21
Jornada de trabalho tem maior ampliação desde o pré-crise e chega a até 60 horas Lino Rodrigues e Ronaldo DErcole
SÃO PAULO
Oforte ritmo de expansão da economia está forçando um grande número de empresas a estender as jornadas nas fábricas para reforçar a produção e dar conta das encomendas. Indústrias de diferentes setores estão pagando horas extras aos seus trabalhadores para atender à demanda. Na siderurgia, há fábricas em que os metalúrgicos têm feito jornada de 60 horas semanais, contra as 44 horas habituais. Outras empresas recorrem às horas extras dos antigos funcionários enquanto fazem o treinamento de novos contratados. Para o trabalhador, a vantagem é um rendimento a mais no fim do mês. Os números do IBGE mostram que, em março, o número de horas pagas na indústria cresceu 3,7% frente ao mesmo mês do ano passado, na maior taxa de expansão desde fevereiro de 2008 ou seja, antes do agravamento da crise financeira internacional. A aceleração no ritmo da atividade está batendo positivamente no mercado de trabalho. O movimento de alta nas horas pagas na produção mostra que as empresas estão se utilizando de horas extras antes de contratar diz André Macedo, economista e gerente da pesquisa do IBGE. No chão de fábrica, o ritmo de produção é frenético em muitos setores. Na unidade da Gerdau de São José dos Campos, que produz colunas, treliças, barras e arames para soldas destinados à construção civil, a jornada da maioria dos 650 empregados, que é de 44 horas semanais, está na casa das 60 horas, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de São José. Na Gerdau, o trabalhador não é convidado, mas intimado a fazer hora extra. O pessoal da unidade está trabalhando de domingo a domingo diz Ademir Tavares da Paixão, diretor do sindicato. Empresa volta a operar em 3 turnos Como essa carga adicional representa um aumento de 38% nos salários, Paixão diz que o sindicato tem dificuldade de convencer os trabalhadores a exigir novas contratações. A Gerdau não confirma os números do sindicato. Diz apenas que o nível de utilização de capacidade instalada de suas unidades no Brasil situa-se, em média, entre 75% e 80%. Com uma queda de 80% nas exportações e a retração do mercado interno, entre o fim de 2008 e meados do ano passado, a Caterpillar, fabricante de equipamentos para construção, mineração e energia, demitiu cerca de mil trabalhadores de sua fábrica de Piracicaba e mandou outros mil para casa, em licença remunerada. Mas a partir do segundo semestre de 2009, as encomendas começaram a chegar, principalmente de empresas locais. As exportações também reagiram e fecharam o ano 30% abaixo do anterior. Este ano, no mercado interno, muitos projetos foram desengavetados nas áreas de infraestrutura e mineração. E o próprio Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ganhou ritmo afirma Luiz Calil, presidente da Caterpillar no Brasil. Além de chamar de volta todos os empregados em licença remunerada, Calil diz que a empresa já preencheu 800 dos mil postos cortados e produz 90% do volume de 2008, o auge das vendas. E, como naquele ano, a unidade já opera em três turnos em quase todas ás áreas. E as horas extras também estão de volta, principalmente em setores que estão recontratando pessoal, bem como quando o atraso na entrega de material exige apertar o ritmo para recuperar a produção. Ao ser readmitido, o pessoal tem que passar por treinamento, como os novos contratados, que dura cerca de um mês. Nesse processo, recorremos a horas extras explica Calil. No setor automotivo, estoques zerados No setor automobilístico, mesmo com o fim dos descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), as jornadas de trabalho continuam puxadas, com o pessoal trabalhando além do horário normal. O motivo: os estoques das concessionárias foram zerados com a redução do IPI, e, mesmo com as vendas já mais baixas, as encomendas das concessionárias continuam altas. Na General Motors (GM) de São Caetano do Sul, no ABC paulista, o ritmo segue intenso, apesar da contratação de cerca de 600 trabalhadores desde o início do ano. De acordo com Aparecido Inácio da Silva, o Cidão, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano, os trabalhadores estão fazendo 45 horas semanais, cinco a mais que o normal (40 horas). No ano passado, a unidade atingiu 368 mil unidades produzidas, número bem superior à meta de 330 mil prevista pela empresa. Este ano, a previsão é chegar a 380 mil unidades. As horas extras na GM têm garantido a reforma da casa de Jair Nery de Andrade, que trabalha na área de pintura da fábrica da montadora no ABC. Desde abril do ano passado, ele tem um acréscimo entre 3% e 5% no salário mensal por causa da jornada maior e ainda engorda seu banco de horas, que serão abatidas nos feriados prolongados e jogos da Copa do Mundo. Com o fim da reforma na casa, Andrade está programando passar as férias com a mulher e os três filhos numa pousada em Rio Quente, no interior de Goiás. As horas extras e a PLR (participação nos lucros) gorda estão ajudando a terminar a reforma na casa e garantindo as próximas férias diz Andrade.