Título: Irã rejeitará acordo pela metade
Autor: Carvalho, Jailton de; Gois, Chico de
Fonte: O Globo, 25/05/2010, O Mundo, p. 27

País entrega carta à AIEA, mas ameaça desistir se documento não for aprovado integralmente Fernando Eichenberg*, e Roberto Maltchik**

WASHINGTON e BRASÍLIA

Cumprindo a primeira tarefa de sua parte no acordo turcobrasileiro, o Irã entregou ontem à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) os termos firmados na semana passada em Teerã, segundo os quais concorda em enviar 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento à Turquia em troca de 120 quilos do material enriquecido a 20%, para uso num reator de pesquisas médicas. A carta, assinada pelo chefe da Agência Iraniana de Energia Atômica, Ali Akbar Salehi, será analisada por peritos da AIEA e submetida ainda à avaliação de Rússia, França e Estados Unidos. Segundo a agência iraniana Fars, o país está disposto a dar início à troca de combustível nuclear num prazo de cerca de um mês após a aprovação final da AIEA. Mas, depois da reunião de 45 minutos com o diretor-geral da organização, Yukiya Amano, em Viena, o representante iraniano pediu que todos os termos do acordo sejam aprovados. Mostrandose otimista, mas desafiador, Salehi advertiu que a aceitação parcial do documento acarretará em sua suspensão automática. Vamos enfatizar novamente a necessidade de que todos os lados olhem com atenção todos os parágrafos deste acordo, e as consequências da falta de ação ao implementá-lo advertiu Salehi, recuando quando questionado se o Irã continuará enriquecendo urânio a altos níveis mesmo se o acordo entrar em vigor. Essa não é a questão limitou-se a dizer aos repórteres. Apesar das altas expectativas dos governos de Brasília e Ancara responsáveis pelo acordo as grandes potências deram sinais de ceticismo: somente os EUA reagiram, prometendo, segundo o Departamento de Estado, dar um parecer sobre o documento até o fim desta semana. Vamos estudar a carta de perto e responder formalmente, através da AIEA, nos próximos dias. Nossa preocupação com o Irã vai além do reator de Teerã, mas envolve a disposição iraniana de se aliar à comunidade internacional, a continuação do enriquecimento de urânio e o desafio constante às resoluções do Conselho de Segurança da ONU afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Philip Crowley.

EUA discordam de Brasil em P5+1

Os EUA vêm tentando não colocar o Brasil no centro das divergências sobre o programa nuclear iraniano. Diplomaticamente, o porta-voz afirmou não ver turbulências maiores na relação entre Washington e Brasília, nem por causa do vazamento da carta do presidente Barack Obama endereçada ao colega Luiz Inácio Lula da Silva. Crowley evitou entrar nos pormenores da divergência entre EUA e Brasil na questão iraniana: Apreciamos a seriedade com que Brasil e Turquia têm tentado mediar isso. Mas não se trata do Brasil, nem da Turquia, e sim do Irã. Trata-se de saber se o que está no papel hoje representa uma real mudança de atitude do Irã em relação à preocupações da comunidade internacional. No entanto, Crowley divergiu do assessor especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, que recentemente afirmou faltarem dois atacantes no grupo do P5+1 (EUA, França, Rússia, China, Grã-Bretanha e Alemanha), e não apoiou a formação imediata de um P5+3, com a inclusão de Brasil e Turquia no time. É mais do que cinco, mais do que sete. Nós continuamos a trabalhar em Nova York com 16 países e mais. Nós valorizamos a participação do Brasil e da Turquia, mas não posso dizer se vamos transformar o P5+1 em P5+3 afirmou Crowley. Em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva considerou a entrega da carta iraniana à AIEA dentro do prazo uma vitória da diplomacia brasileira. Já Garcia negou eventuais atritos com os EUA e advertiu que o Brasil não é moça de recados. As relações entre Brasil e EUA nos últimos anos são muito boas. Não acredito que esse episódio venha turvar as relações. Os países são respeitados quando expressam seus pontos de vista. País dócil, países que ficam de cócoras, governos que ficam de cócoras, não são respeitados. Se transformam em moças de recado. O Brasil não é moça de recado afirmou. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, voltou a destacar o fato de que o acordo surgiu a partir de uma sugestão de Barack Obama. Não íamos entrar nisso levianamente. Sempre procuramos ter em conta a opinião de outros países, sobretudo os EUA. Porque foi o presidente Obama o primeiro que pediu ao presidente Lula para se interessar por essa questão disse Amorim. Para o Planalto, a divulgação da carta de Obama para Lula na semana passada teve pouca repercussão no exterior. Um representante do governo americano, entretanto, disse que que a revelação de trechos foi surpreendente e não revela todo o teor da mensagem.