Título: Europeus investem até 95% menos no Brasil
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 26/05/2010, Economia, p. 25

Investimento estrangeiro já caiu US$ 1 bi no ano. Com remessas em alta, déficit externo em abril é o pior no mês em 63 anos

A crise europeia está afetando os investimentos estrangeiros produtivos no Brasil, postergando os desembolsos, sobretudo de países historicamente grandes aplicadores no país. No caso da Alemanha, a queda nos investimentos já chega a 95%. Além disso, as turbulências têm acelerado as remessas de lucros e dividendos das multinacionais aqui instaladas, elevando os sinais de alerta sobre as contas externas brasileiras, cujo déficit de abril foi o pior para o mês em 63 anos.

Segundo o Banco Central (BC), o investimento estrangeiro direto (IED) fechou abril com entrada líquida de US$ 2,223 bilhões, quase US$ 400 milhões menos que a projeção oficial.

No ano, o IED acumula US$ 7,880 bilhões, US$ 1 bilhão menos do que um ano antes. Para o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, a crise na Europa está postergando por um ou dois meses os desembolsos, por causa da volatilidade nos mercados.

Em maio, o movimento continua: o IED, até ontem, estava em apenas US$ 1,3 bilhão, indicando que fechará o mês em US$ 1,6 bilhão. Há um ano, no entanto, entraram US$ 2,483 bilhões, o melhor maio da série histórica do BC, iniciada em 1947.

A crise não afeta a decisão de investir, apenas adia.

Esperamos que, no segundo semestre, esses investimentos retomem. Mas, até agora, estão aquém do que esperávamos reconheceu Lopes.

Espanha e Alemanha são bons exemplos desse momento. Os espanhóis, no centro da crise, reduziram em 74,1% o aporte no Brasil no quadrimestre passado, quando comparado com igual período de 2009, ao desembolsarem só US$ 271 milhões. Os alemães recuaram ainda mais: 95,7% no período, de US$ 1,990 bilhão para US$ 85 milhões.

Remessas superam US$ 5,6 bi em menos de dois meses Ainda assim, o BC mantém a previsão do ano de entrada líquida de US$ 45 bilhões em investimentos no setor produtivo.

Para o mercado, segundo a pesquisa Focus, porém, a cifra não passará de US$ 37 bilhões.

A perda da força do IED chama a atenção porque, há pouco tempo, ele compensava sozinho pelo lado financeiro os rombos na conta corrente do país, por onde passam as transações de troca de bens e serviços com o exterior, como balança comercial e gastos com viagens.

Em abril, a conta corrente ficou negativa em US$ 4,583 bilhões, o pior desempenho para esses meses da série do BC, acumulando no ano perdas de US$ 16,728 bilhões. Para maio, a projeção do BC é de déficit de US$ 2,7 bilhões, um pouco melhor porque historicamente é um período de maiores exportações de commodities, ajudando no saldo comercial.

Gastos dos brasileiros em viagens ao exterior triplicam Os rombos de agora têm sido maiores, entre outros, pelas remessas de lucros e dividendos de multinacionais, para cobrir perdas nas matrizes, sobretudo na Europa. Em abril, foram remetidos US$ 3,346 bilhões e, em maio, até ontem, mais US$ 2,265 bilhões. Pesam também os gastos com viagens internacionais, que praticamente triplicaram entre janeiro e abril passados, chegando a US$ 2,453 bilhões.

As viagens estão relacionadas ao aumento de renda e emprego disse Lopes.

Neste cenário, o balanço de pagamentos, que inclui a conta corrente mais as fontes de investimento, está sendo equilibrado pela forte entrada de recursos estrangeiros em portfólio, como aplicações em ações e renda fixa. Em abril, foram US$ 7,297 bilhões nesta rubrica que, junto aos US$ 2,223 bilhões do IED, foram suficientes para cobrir o déficit em transações correntes.

Para especialistas, esse cenário serve de alerta, já que os investimentos em papéis são mais voláteis e podem deixar o país com a mesma intensidade com que desembarcam.

Não vejo problema no balanço de pagamentos a médio prazo, mas pode gerar falta de dólar se algo acontecer. Isso pode gerar mais volatilidade no câmbio afirmou o economistachefe da Modal Asset Management, Alexandre Póvoa.

Lopes, do BC, rebate, defendendo que boa parte dos investidores em portfólio são fundos de pensão que não podiam investir em países sem grau de investimento. Como o Brasil já tem a nota máxima das agências, esses aplicadores estariam se voltando para o mercado local.

Segundo Lopes, os fundos de pensão não costumam ter aplicações de curto prazo.

O financiamento (das transações correntes) está dado por IED e por portfólio.