Título: Excesso de formalismo
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 19/06/2009, Política, p. 4

E se a alteração só valesse para o presidente seguinte, seria razoável instituir um possível terceiro mandato?

O deputado federal José Genoino (PT-SP) fez ontem pelo governo algo que o governo já deveria ter feito. Como relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), propôs mandar ao arquivo a proposta que permite ao presidente da República outro quadriênio a partir de 2011. Escrevi aqui, faz mais de um mês: ¿Nenhum movimento recente de [Luiz Inácio] Lula [da Silva] indica que ele próprio esteja a preparar a luta por mais um mandato consecutivo¿. Pelo jeito, está valendo.

No parecer, Genoino argumenta pela inconstitucionalidade de mudar a regra com o jogo em curso. Está implícita uma cutucada no PSDB, que aprovou a possibilidade de reeleição para o então presidente Fernando Henrique Cardoso com a bola rolando. Ponto para o PT. Deixando de lado o partidarismo, é ótimo que o próprio governo tenha decidido acabar com a marola. Ainda que se deva aguardar o enterro definitivo da coisa. Por prudência.

Mas há algo que continua a incomodar. O tema já foi abordado aqui outras vezes. Mesmo quando, como agora, o movimento está certo, alguns argumentos têm cheiro de circunstanciais. É bom criar a cultura de que mudanças não devem beneficiar alguém no exercício do mandato? É ótimo. Mas, e se alteração só valer para o presidente seguinte, será razoável instituir um possível terceiro mandato? Um quarto? Um quinto? Um enésimo?

Há democracias em que o governante fica no cargo enquanto mantiver apoio. E houve aqui um regime de exceção no qual os generais do Palácio do Planalto eram trocados periodicamente. Já que cada caso é um caso, então discutamos o nosso.

Persiste na cultura política brasileira um desapreço pela alternância no poder. Pouco apreço que é a outra face do salvacionismo. Também por isso, o debate sobre a alternância tem sofrido de excesso de formalidade. Discutem-se muito as normas eleitorais. Discute-se pouco como limitar o poder de quem está no governo, para impedir em algum grau que a força do Estado imponha por si só o continuísmo.

Ainda mais agora, quando a influência estatal se hipertrofia em resposta à crise. Até nos Estados Unidos o Estado se agiganta para oferecer à sociedade uma rede de proteção contra o descontrole econômico.

A possibilidade da alternância deve estar garantida nas leis. Mas não basta. É preciso que ela seja possível na vida real. Daí a urgência de modernizar nossos mecanismos político-eleitorais. Em vez da lista fechada, liberar a internet. Em vez do financiamento exclusivamente público, permitir que as pessoas contribuam livremente pela rede com partidos e políticos, mesmo antes da oficialização das campanhas. Em vez da cláusula de barreira, flexibilidade para que se possa fazer jornalismo nas eleições sem ficar submetido ao poder de veto dos políticos.

Jornalismo e publicidade Não é razoável achar que os cursos de jornalismo vão acabar porque agora o diploma de jornalista não é pré-requisito para exercer a profissão. Uma comparação. Qualquer um pode ser publicitário, desde que tenha talento e vocação, e ainda assim os cursos de publicidade e propaganda são tão procurados quanto os de jornalismo. Aliás, a publicidade brasileira é uma das melhores do mundo, mesmo não exigindo que o profissional tenha diploma de publicitário.

Na Câmara Escrevi ontem, erradamente, que o projeto com restrições ao uso da internet está para ser votado no Senado. O substitutivo do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) está é na Câmara, aguardando parecer do relator, Julio Semeghini (PSDB-SP). Obrigado ao deputado por corrigir minha distração. E que ele tenha o bom senso de expurgar do texto tudo o que possa colocar em risco a liberdade de uso da rede. Vamos aguardar.