Título: A revisão do sistema educacional
Autor: Lassance, Antonio
Fonte: O Globo, 26/05/2010, Opinião, p. 7

Um estudo publicado pela renomada historiadora estadunidense Diane Ravitch, antiga adepta do gerencialismo na Educação que ocupou posição de destaque no governo de George W. Bush, tem ganhado repercussão dentro e fora dos Estados Unidos e abalado crenças sobre as políticas educacionais com estratégias orientadas pelo mercado.

Trata-se de The death and life of great American school system: how testing and choice are undermining Education (A morte e a vida do grande sistema escolar americano: como os testes e as escolhas estão minando a educação, Basic Books, 288 páginas).

As políticas educacionais com estratégias orientadas pelo mercado market-driven strategies eram um consenso nos EUA (o que significa dizer, entre os dois partidos que a dominam: Democrata e Republicano). O cerne deste gerencialismo educacional: competição e escolha. A diretriz estava consubstanciada em iniciativas bipartidárias como o protocolo No child left behind act (Nenhuma criança deixada para trás), durante a administração Bush; ou o atual Race to the top (Corrida ao topo), do governo Obama.

O estudo de Ravitch faz uma autocrítica, uma revisão e derruba o consenso estabelecido. Suas ferramentas: a análise de dados e o estudo de caso (principalmente sobre as escolas de Nova York).

Suas conclusões: os resultados de décadas de educação orientada pelos princípios de mercado são pífios ou contraproducentes, para não dizer perversos. Políticas descentralizadas ao extremo, do tipo façam o que acharem melhor, ou se virem, sem um mínimo de diretrizes gerais e de coordenação, levaram a processos educacionais que terminaram por se materializar em baixo desempenho, e não em sua elevação. E não se está falando sequer em qualidade.

Os mecanismos de premiação de professores baseados no rendimento individual de seus alunos e, em sentido contrário, a punição (perda dos adicionais de salário), quando de sua queda, levaram obviamente (e como especialistas haviam há muito prenunciado) ao alastramento e sofisticação das formas de se burlar o sistema.

Para além dos conteúdos, o mais importante aprendizado dos professores aos alunos terminava por ser o de como se faz para passar em testes.

Exceções, macetes, peguinhas eis a principal grade curricular de muitos sistemas educacionais, como o dos EUA.

Em grande medida, a defesa da educação orientada pelo mercado tinha como base, segundo Ravitch, pressupostos teóricos que pouco se aplicavam à prática e relacionavamse mais às predileções ideológicas de seus adeptos.

As recomendações da autora do estudo trazem, para a Educação, o que se tem visto ultimamente na Economia, desde a crise que afetou o mundo em 2008 e que tem tido réplicas para usar a terminologia dos terremotos em crises de menor intensidade até hoje.

Quais sejam: a constatação de que os mercados não se autorregulam eficientemente, a redescoberta de falhas ou brechas capazes de causar grandes fissuras, a elucidação das táticas de ganhos extraordinários pela sistemática trapaça sobre as frágeis regras de muitos sistemas e, também, a desmoralização do mito da superioridade absoluta da gestão empresarial sobre a gestão pública de perfil burocrático.

O receituário de Ravitch: mais centralização, mais super visão, mais estratégias top-down (de cima para baixo, ou seja, com diretrizes centrais claras) e menos relevância dos testes de desempenho individual dos alunos. Não que eles não sejam importantes, mas jamais deveriam ser o único termômetro da atividade educacional.

Estado e burocracia são um problema um espectro que vai dos liberais aos socialistas concorda com isso. A questão é que, em muitos dos casos, dos males, Estado e burocracia certamente, a depender de seu perfil podem estar entre os menores.

Ambos se mostram necessários a evitar estragos de proporções catastróficas.

Os EUA que o digam. E o Brasil que fique atento.

ANTONIO LASSANCE é pesquisador do Ipea e assessor da Presidência da República.