Título: Teerã desafia relação entre Lula e EUA
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Fonte: O Globo, 27/05/2010, O Mundo, p. 29

Divergência e afastamento levam Brasil a traçar uma estratégia de reaproximação

BRASÍLIA. A posição divergente de Brasil e Estados Unidos acerca do programa nuclear iraniano causou o mais forte abalo nas relações bilaterais registrado desde a chegada do presidente Barack Obama à Casa Branca. Há uma semana desde a conversa telefônica entre o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, sobre a Declaração de Teerã , os contatos entre autoridades dos dois países foram interrompidos. O silêncio diplomático só foi quebrado na segunda-feira, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou uma carta a Obama defendendo o diálogo no lugar das sanções a Teerã.

Ontem, Lula rebateu críticas ao acordo dizendo que há no mundo quem precise manter inimigos para fazer política.

Fizemos um acordo que eu achava que os países que queriam levar o Irã para a mesa (de negociações) iriam ficar felizes. Eis que eles não queriam, porque no mundo tem gente que não sabe fazer política sem um inimigo disse Lula na 4aConferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Diante do clima tenso, tanto o Palácio do Planalto quanto o Itamaraty insistem em reiterar que, apesar da diferença de opiniões, a relação com os EUA é a mais sólida que o Brasil mantém entre todos os seus parceiros internacionais e deve ser preservada.

Os contatos foram interrompidos depois que a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, anunciou de forma traumática para a diplomacia brasileira a proposta de resolução, determinando novas sanções ao Irã, com o apoio do chamado P5+1, grupo formado pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha, um dia após Brasil e Turquia comemorarem a assinatura de um acordo com os iranianos.

Lula precisou ensaiar uma reaproximação para retomar o diálogo com Washington. Em defesa do acordo turcobrasileiro, que estabelece as regras para a troca de urânio iraniano por combustível, Lula também enviou cartas aos presidentes da França, Nicolas Sarkozy, e da Rússia, Dmitri Medvedev.

Ontem, foram encaminhadas ainda cartas a todos os chefes de Estado da América do Sul e ao presidente do México, Felipe Calderón cujo país assume a Presidência rotativa do Conselho de Segurança no mês que vem.

De Honduras a algodão, Brasil e EUA tiveram atritos recentes Algumas fontes do governo brasileiro já consideram remota a possibilidade de Obama visitar o país neste primeiro semestre.

Outro ponto de atrito são as negociações sobre os subsídios concedidos pelo governo americano a produtores de algodão. A Organização Mundial do Comércio (OMC) considerou ilegais as subvenções e autorizou mais de US$ 800 milhões de retaliações.

Além da pretensão de assumir uma vaga permanente no Conselho de Segurança, ao defender o direito de o Irã ter seu programa nuclear, o Brasil tenta evitar sanções baseadas na dúvida quanto à real intenção nuclear de Teerã, se para fins pacíficos ou militares.

Afinal, o Brasil produz urânio e detém tecnologia para geração de energia.

Para o cientista político João Paulo Peixoto, o governo brasileiro é ingênuo ao acreditar em Ahmadinejad: O Brasil fez uma jogada muito arriscada, que não deu certo. De certa forma, esvaziou a diplomacia de outros países e agora terá que arcar com as consequências disso.

Já o especialista em relações internacionais Antônio Jorge Ramalho discorda.

Para ele, os EUA tentam obter mais concessões dos iranianos.

Mesmo que a estratégia brasileira não dê certo, o Brasil já se projetou positivamente no cenário internacional avalia Ramalho