Título: China nmão pode se omitir
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Fonte: O Globo, 28/05/2010, Opinião, p. 6

Em meio à escalada de tensões em ambos os lados da fortemente armada fronteira entre as Coreias, resta um indicador de normalidade. Apesar das tonitruantes ameaças mútuas, a Coreia do Norte ainda permite que 45 mil cidadãos trabalhem no Complexo de Kaesong, zona industrial instalada por 121 empresas da Coreia do Sul em território norte-coreano, perto da fronteira. A Coreia do Norte precisa desesperadamente dos US$60 milhões que Kaesong injeta anualmente na moribunda economia do país, via aluguel de instalações, taxas e salários dos trabalhadores. Mas a situação do complexo tornou-se mais preocupante depois que os norte-coreanos passaram a estudar a proibição de que funcionários e veículos da Coreia do Sul tenham acesso ao local.

A política de aproximação entre as duas Coreias, praticada principalmente pelos dois antecessores do atual presidente sul-coreano, Lee Myung-bak, foi para o espaço depois que, ao cabo de uma longa investigação internacional, o Sul acusou o Norte de ter torpedeado e afundado um barco de guerra sul-coreano, matando 46 marinheiros. Foi o mais grave incidente entre os dois países, ainda formalmente em guerra, desde o armistício da Guerra da Coreia, em 1953. A chave do impasse está com a China, único país a manter relações com a Coreia do Norte ¿ a nação mais isolada do mundo e que quer permanecer assim, pelo menos enquanto a dinastia iniciada por Kim Il-sung, em 1948, e continuada por seu filho, Kim Jong-il, estiver no poder. A sucessão do Querido Líder, como é chamado Kim Jong-il, é um enigma. A China ocupa hoje posição de destaque mundial e será obrigada cada vez mais a assumir uma postura diplomática coerente com o peso de sua economia. Na atual crise sobre o programa nuclear do Irã, Pequim mostrou-se disposta a apoiar um anteprojeto de resolução da ONU, patrocinado pelos EUA, para uma nova rodada de sanções ao regime iraniano pelo não cumprimento de resoluções que pediam transparência em relação às atividades nucleares.

No caso da Coreia do Norte, é vital que os chineses atuem junto ao regime de Kim Jong-il para evitar que este jogue a Península Coreana numa situação ainda mais perigosa. Ao fim de uma visita de cinco dias a Pequim, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, deu a perceber o quanto o problema é delicado ao dizer que ¿a China compartilha conosco a meta de uma Península Coreana sem armas nucleares e um período de considerações cuidadosas a fim de determinar a melhor forma de lidar com a Coreia do Norte¿. Este ano, segundo o ¿New York Times¿, os chineses pretendem investir US$10 bilhões em portos, estradas, ferrovias e infraestrutura turística no vizinho ¿ quase 70% do PIB norte-coreano.

A China está, definitivamente, na rota da diplomacia americana. A questão do Irã ainda exige acompanhamento para impedir um eventual recuo no apoio chinês às sanções. Quanto à Coreia do Norte, os EUA precisam convencer Pequim a usar seu poder sobre Pyongyang para fazê-la comportar-se. Na área econômica, a discussão com os chineses é para que concordem em valorizar o yuan para reequilibrar o fluxo de comércio bilateral. Os chineses têm mesmo de assumir um peso na diplomacia equivalente ao seu tamanho e poder no mundo.