Título: Itamaraty: Brasil não sabia que EUA rejeitariam acordo com Irã
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 30/05/2010, O Mundo, p. 40

Segundo Ministério das Relações Exteriores, carta de Obama a Lula deixara claro que esforço turco-brasileiro seria passo positivo na criação de atmosfera de confiança com Teerã

Um alto representante do governo brasileiro classificou ontem de ¿estranhas¿ as insinuações de funcionários da Casa Branca, que declararam que o Brasil já sabia que o acordo para a troca de urânio com o Irã, firmado no último dia 17, seria rejeitado pelos Estados Unidos. Na avaliação do Itamaraty, a nova investida de Washington partiu de representantes de ¿terceiro ou quarto escalão¿, que desconsideraram até mesmo opiniões expressadas em carta enviada pelo presidente Barak Obama a seu colega Luiz Inácio Lula da Silva.

¿A carta do presidente Obama (remetida para Brasília em 20 de abril) deixa muito claro que o acordo para a troca de urânio seria uma forma de criar confiança e avançar no tratamento da questão nuclear iraniana.

Causa estranheza ouvir de representantes de terceiro ou quarto escalão do governo dos Estados Unidos frases que põem em dúvida o que a mais alta autoridade americana afirmou, por meio de carta, ao presidente de outro país mdash; disse o interlocutor brasileiro.

Na sexta-feira, representantes do governo americano disseram que o Brasil sabia previamente que os EUA rejeitariam qualquer acordo que não impedisse o Irã de enriquecer urânio dentro do próprio país. Na Declaração de Teerã, este ponto não é abordado.

¿ O ministro Celso Amorim tinha pleno conhecimento das demais preocupações tanto dos EUA quanto do Irã e reafirma que a Declaração de Teerã é uma porta de entrada para criar confiança e permitir a discussão dos temas de preocupação de ambos os lados ¿ rebateu o alto funcionário do governo.

O acordo fechado entre Brasil, Turquia e Irã prevê que a nação islâmica envie à Turquia 1.200 quilos de urânio levemente enriquecido, para receber em troca 120 quilos de urânio enriquecido a 20%, que deve ser usado como combustível nuclear.

Na avaliação do Itamaraty, os EUA subestimaram a capacidade de Brasil e Turquia ressuscitarem o acordo para a troca de urânio. O tema foi negociado sem sucesso em outubro de 2009 pelo grupo de Viena ¿ formado por EUA, França, Rússia e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

O Ministério de Relações Exteriores também demonstrou desconforto com as afirmações dos porta-vozes da Casa Branca, sugerindo que o Brasil interpretou a carta do presidente Obama como um manual de ¿instruções¿ para dialogar com o governo de Mahmoud Ahmadinejad.

¿ É ofensivo imaginar que o governo brasileiro consideraria uma carta de um chefe de Estado estrangeiro como ¿instruções¿ para a atuação externa do Brasil ¿ disse o funcionário brasileiro.

Na Bolívia, após participar da Aliança das Civilizações no Rio de Janeiro, o presidente Evo Morales engrossou o coro de apoio ao acordo nuclear obtido por Brasil e Turquia com o Irã. Morales rebateu a acusação da secretária de Estado americana, Hillary Clinton, de que o acordo teria tornado o mundo mais perigoso ao dar ao Irã a oportunidade de ganhar tempo para continuar enriquecendo urânio, em desafio às determinações da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

¿ Os Estados Unidos descarregam sua raiva contra Lula ¿ disse o presidente boliviano. ¿ Não é possível que haja esse tipo de ameaças nem chantagens.

Israel reage contra zona sem armas no Oriente Médio Além da desconfiança dos EUA, o Irã motivou, ontem, novas acusações de Israel. O país criticou a aprovação de uma proposta, pelas 189 nações signatárias do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), de que Israel faça sua adesão ao acordo e abra suas instalações nucleares à inspeção internacional. A iniciativa, apresentada pela Conferência sobre o TNP, foi classificada por Israel como ¿profundamente errada e hipócrita¿ por ¿ignorar as realidades do Oriente Médio e as verdadeiras ameaças enfrentadas pela região e o mundo inteiro¿.

A declaração final da reunião de revisão do TNP não mencionou o Irã, que ameaçou vetar o documento caso fosse incluído ¿ Teerã garante que seu programa nuclear tem fins pacíficos.

O líder do Parlamento iraniano, Ali Larijani, declarou que a resolução tem boas ideias, como a obrigação de que todas as nações juntem-se ao Tratado de Não Proliferação, embora haja também pontos fracos, como não estabelecer um prazo para desarmamento e não obrigar Israel a se comprometer com ele.

Israel, por sua vez, afirmou que o documento final da conferência não pode apontar medidas para o país enquanto o ¿regime terrorista do Irã, que corre para desenvolver armas nucleares e que ameaça abertamente varrer Israel do mapa, sequer é mencionado¿.