Título: Acordo para escapar do processo
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 19/06/2009, Cidades, p. 21

A cada 30 dias, a lei seca leva 300 condutores à Justiça, denunciados pelo crime de dirigir alcoolizado. A pena de seis meses a três anos de prisão é quase sempre trocada por medidas alternativas

Cerca de 50 pessoas ¿ parentes de vítimas da violência nas vias do Distrito Federal ¿ se encontraram ontem em frente à Catedral para pedir punição aos motoristas responsáveis pelos acidentes O motorista enquadrado no artigo 306 da Lei Federal nº 11.705/08 ¿ a lei seca, que completa um ano de vigência amanhã¿ tem 730 dias ou dois anos para refletir sobre o velho hábito de beber e pegar o volante. Em todo o Distrito Federal, são denunciados à Justiça cerca de 300 casos por mês, segundo levantamento do Tribunal de Justiça. Na 1ª Vara de Delitos de Trânsito de Brasília, há tantos processos que o juiz Gilberto Pereira de Oliveira decidiu fazer audiências coletivas para agilizar a punição. São de 40 a 50 casos novos por semana, de modo que as audiências individuais ficaram inviáveis.

Todos esses processos se referem a pessoas flagradas dirigindo com concentração de álcool igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar ou 6 decigramas ou mais de álcool por litro de sangue. E nenhuma delas se envolveu em acidentes com vítimas. A pena é de seis meses a três anos de prisão, além das sanções administrativas, como multa e suspensão da carteira (leia O que diz a lei na página 22). Mas na maioria dos casos ninguém fica atrás das grades por ter dirigido alcoolizado, o que gera na população um sentimento de impunidade. Desde que a lei entrou em vigor até a semana passada, 1.345 motoristas do DF acabaram na delegacia por atingirem o limite definido como crime. A polícia não informou se foi aberto inquérito para todos os detidos nem quantos casos foram encaminhados à Justiça. No total, houve 3.521 autuados pela lei seca.

A promotora de Justiça Laura Beatriz Rito, da Promotoria de Delitos de Trânsito de Brasília, garante que escapar da prisão não significa sair impune do crime de dirigir alcoolizado. Se o autor dos fatos tem a ficha criminal limpa, acaba beneficiado pela legislação com um acordo proposto pelo Ministério Público. O processo criminal fica suspenso por dois anos. Cumpridas todas as condições impostas pelo MP, ao fim desse prazo o condutor mantém a ficha limpa, pois o caso é arquivado. É como se nunca tivesse sido processado. ¿É um privilégio que as pessoas ainda têm. Mas não é impunidade. Surte resultado: essas pessoas não saem por aí infringindo a lei, ¿, avalia Laura Beatriz.

A lista de exigências varia de acordo com cada caso: doação de R$ 500 para uma instituição de caridade; prestação de quatro horas semanais de serviço voluntário em hospitais durante seis meses e curso de direção defensiva na Escola Pública do Departamento de Trânsito (Detran) são algumas delas. Durante dois anos, a pessoa tem de se apresentar no fórum uma vez por mês. E precisa de autorização judicial para se ausentar do DF por 15 dias ou mais.

Ninguém é obrigado a aceitar o acordo. Se isso ocorre, o processo segue o rito normal: audiências, depoimentos e, caso condenada, a pessoa passa a ter ficha criminal. Quando pedir o nada consta para tomar posse em um concurso público, por exemplo, vai aparecer a condenação pelo crime de dirigir alcoolizado. ¿Quase 100% dos motoristas aceitam o acordo. É vantajoso para eles. O advogado até pede redução do prazo de dois anos, mas não abro exceção¿, comenta o juiz Gilberto Pereira.

Na audiência em que propõe o acordo, o magistrado surpreende os réus com um conselho pouco convencional. ¿Falo que eles beberam pouco. Que deveriam ter enchido a cara a ponto de nem conseguir chegar ao carro, expondo a vida dos outros a risco.¿

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Responsabilidade

0,3 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões ¿ com esse teor ou acima disso, o condutor deve responder por crime de dirigir alcoolizado

1.345 motoristas do DF foram parar na delegacia entre junho de 2008 e a quarta-feira da semana passada porque o teste do bafômetro apontou 0,3mg de álcool por litro de ar (ou mais)

40 a 50 casos novos de direção sob efeito de álcool chegam à 1ª Vara de Delitos de Trânsito de Brasília todas as semanas. Vale lembrar que aqui não se trata de acidentes

R$ 500 doados a uma instituição de caridade é uma das penas alternativas aplicadas aos condutores denunciados à Justiça para não precisarem ir presos