Título: Mundo árabe precisa de um programa nuclear
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Fonte: O Globo, 28/05/2010, O Mundo, p. 41
Secretário-geral da Liga Árabe defende energia atômica e pede tempo para avaliação do acordo negociado no Irã
O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, defende a nuclearização do Oriente Médio para fins pacíficos. No Rio para a abertura do Fórum Mundial da Aliança de Civilizações, o egípcio, no cargo há nove anos, quer aproveitar o encontro para criar novos entendimentos entre o Ocidente e o mundo árabe. Para Moussa, o Brasil já não é tão inexperiente nas complexas questões do Oriente Médio. Mas, apesar de um certo otimismo pelas boas intenções do presidente americano, Barack Obama, em entrevista exclusiva ao GLOBO, o secretário lamenta que o conflito israelense-palestino seja ainda um uma mola propulsora da proliferação de grupos extremistas.
O SECRETÁRIO-GERAL da Liga Árabe, Amr Moussa, no Rio: questão israelense-palestina influencia grupos radicais espalhados pelo mundo árabe
Renata Malkes
O senhor acredita nos esforços de Brasil e Turquia para conseguir um acordo com o Irã?
AMR MOUSSA: Eles já conseguiram. Agora temos que esperar o resultado. Eles criaram uma nova oportunidade para eliminar as sombras sobre esse problema. Apoio o que o presidente Lula e o premier Erdogan fizeram. Nossa missão é dar a eles tempo para ver resultados.
O presidente Lula tem tentado servir como ponte entre israelenses, palestinos, sírios...
MOUSSA: No caso do Irã, estamos falando de algo concreto, que aconteceu e foi alcançado. Agora a AIEA tem que informar sua posição e o próximo passo é ver as reações e esperar. O presidente Lula fez seu trabalho. No conflito árabe-israelense há muitos jogadores envolvidos.
O Brasil é distante geográfica e culturalmente do Oriente Médio. Sendo um novato nas questões dessa região, que mudanças o Brasil pode trazer?
MOUSSA: Isso podia ser considerado há anos. Depois da criação do Fórum Árabe-América Latina, em 2005, sob a iniciativa do presidente Lula, não podemos mais dizer que o Brasil não tem conhecimento do Oriente Médio. No novo mundo, de diplomacia ativa, pode-se fazer muito em regiões diferentes.
No último encontro da Liga Árabe, sua proposta para criar um fórum para aproximar os países árabes do Irã foi rejeitada e o senhor, criticado. Por que o regime de Teerã incomoda o mundo árabe?
MOUSSA: Temos opiniões divididas. Há muitos problemas entre o Irã e os árabes. Mas temos que sentar, conversar e colocá-los sobre a mesa. Há quem ache inútil conversar com o Irã, mas o que se pode fazer é colocar abertamente nossos problemas. Isso vai levar algum tempo, mas não acredito que minhas sugestões tenham sido descartadas.
Que problemas são esses?
MOUSSA: O maior é o desentendimento entre sunitas e xiitas. Entre Emirados Árabes e Irã. A situação no Iraque. As consequências do que acontece no Iêmen, além da nuclearização da região, que é de grande importância para todos nós.
Após o Irã, teme-se uma corrida nuclear no Oriente Médio. A região tem esse interesse?
MOUSSA: Sim, em desenvolver programas nucleares - e não armas nucleares - sob as regras da AIEA. O mundo árabe tem que ter programas nucleares pacíficos, não militares.
O senhor defende reformas na ONU. Com que composição a ONU poderia dar voz a tantos novos atores mundiais?
MOUSSA: O mundo precisa da ONU. Temos que racionalizar o Conselho de Segurança. O maior problema é o poder de veto. Quem deve tê-lo? O segundo, a participação de países do Terceiro Mundo. O terceiro, que tipo de membros mágicos poderiam estar no conselho, mas sem cartelizá-lo, transformando-o num clube seleto. Não é fácil. A Assembleia Geral é um Parlamento, aberto a todos, mas será que o conselho cumpre sua missão ou transformou-se num clube de muita força nas mãos de poucos? O conselho perdeu muito por seu mau uso em muitos casos.
O senhor também pede um papel da ONU na questão israelense-palestina. Por que deram as costas a esse tema?
MOUSSA: Há 20 anos nos disseram que a melhor maneira de resolver isso era através de um mediador honesto. Desde a Conferência de Madrid (1992). Chegamos a um momento crucial. Chegou a hora de decidir se esse mediador honesto tem mesmo a capacidade de agir ou devolver a questão à ONU. A batalha por Jerusalém, pela questão palestina, dos territórios de Líbano e Síria... tudo... devido ao fracasso do mediador honesto.
E quem é ou será esse mediador honesto?
MOUSSA: O Conselho de Segurança tem que decidir. Esse conceito de mediador honesto é ótimo, mas não nos trouxe nada em 20 anos. Não podemos continuar indefinidamente.
O Brasil poderia ser um mediador honesto?
MOUSSA: É difícil um só país mediar esse conflito enorme. A solução tem que sair do conselho; lá o Brasil pode trabalhar.
A Palestina com fronteiras de 1967 é ainda uma solução?
MOUSSA: Sim. Fronteiras de 1967 e negociações sobre os refugiados, segundo as resoluções da Assembleia Geral da ONU, de repatriação ou compensação.
Os refugiados palestinos têm problemas no Líbano, onde não têm cidadania, na Jordânia, o próprio Egito fechou a fronteira com Gaza. O mundo árabe não está unido na causa palestina?
MOUSSA: Não é papel dos países árabes dar cidadania aos palestinos, ajudando Israel a se livrar deles. Os refugiados não estão lá para receber cidadania, mas para voltarem à sua terra.
A Liga Árabe tem uma política para lidar com extremistas em suas sociedades? Como Hamas, Jihad, al-Qaeda, o braço armado do Hezbollah?
MOUSSA: A ocupação militar cria grupos raivosos. As pessoas têm ódio, querem resistir, se opor. Há frustração, desespero! Mas também há extremistas em Israel. Colonos que matam palestinos, destroem propriedades. O extremismo não é só palestino, é também israelense.
E a al-Qaeda, salafistas na Arábia Saudita, rebeldes no Iêmen... Todos são influenciados só pela questão palestina?
MOUSSA: A questão palestina tem um papel fundamental na criação desse clima de frustração geral. Não é só a Palestina, mas muito parte dessa injustiça. Se não houvesse ocupação israelense, acho que tudo seria diferente. Devemos ser firmes contra quem não faz discriminação entre civis e militares. Terrorismo não é parte do mundo árabe, mas resultado de más políticas ao mundo árabe.
Há um ano, o presidente Obama discursou ao mundo árabe no Cairo, mas não houve mudanças significativas em relação à era Bush. O senhor está desapontado?
MOUSSA: Acreditamos que as intenções de Obama são justas, ou menos injustas que as de Bush. O que vai fazer a diferença é o resultado. E estamos esperando para ver. Prefiro, por enquanto, dizer alguma coisa positiva sobre o presidente Obama.