Título: Obama abandona tom bélico da era Bush
Autor: Einchenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 28/05/2010, O Mundo, p. 40

Nova estratégia de segurança dilui a luta contra o terror, priorizando diplomacia e economia como agentes de mudança

WASHINGTON. O governo do presidente Barack Obama apresentou ontem as linhas gerais de sua primeira Estratégia de Segurança Nacional, em que expressa uma nova forma de preservar a paz interna e exercer sua liderança nas questões de segurança global. O documento de 52 páginas se pretende como inovador em relação à doutrina estabelecida pelo governo George W. Bush, em 2002, ao diluir a luta contra o terrorismo com outros elementos prioritários para a construção de um país e de um mundo mais estáveis e seguros.

Desenvolvimento econômico, diplomacia e o estabelecimento de relações construtivas com o mundo muçulmano seriam algumas das formas de atingir as metas.

Na visão da Casa Branca, a derrota da al-Qaeda e a força militar americana mantêm toda a sua importância, mas devem ser balanceadas e integradas com uma abordagem compatível com o mundo multipolar e os novos temas deste século.

Brasil aparece no texto, mas é ignorado em discurso

¿Aliados¿, ¿amigos¿ e ¿parceiros¿ foram algumas das palavras mais citadas pelo general James Jones, conselheiro em segurança nacional do presidente Obama, na apresentação à imprensa da nova política. O documento aponta a necessidade de estreitar relações com países que ¿partilham dos mesmos interesses e valores¿ na preservação da segurança mundial. Entre eles, lista a China, a Índia e a Rússia, mas também nações de ¿crescente influência¿ como Brasil, África do Sul e Indonésia, para que seja estabelecida uma sólida cooperação em temas bilaterais e globais.

No caso brasileiro, as declamadas cooperação e parceria foram abaladas pelas profundas divergências no tratamento da questão do programa nuclear iraniano, em que o acordo mediado por Brasil e Turquia foi ignorado por Washington.

Embora as recentes desavenças possam não ter sido a causa, em sua apresentação inicial o general citou a Rússia, a China, a Índia, o grupo do G-20 e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) como países e organismos de referência para o equilíbrio da paz mundial, e em algum momento se referiu nominalmente ao Brasil.

¿ O Irã deixou claro que não tem intenções pacíficas com o seu programa nuclear ¿ afirmou o general James Jones.

O comandante militar manifestou sua preocupação com a eventual ¿exportação¿ de tecnologia de armamento nuclear pelo governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad, caso venha a ser capaz de desenvolvê-la, e também com ¿perigosas¿ parcerias de Teerã na América Latina, no caso, a Venezuela.

¿ Estamos atentos a isso. Temos discutido bastante com os presidentes Lula, no Brasil, e Uribe, na Colômbia, com Panamá e México. Pensamos que o Irã tem conduzido atividades nessa parte do mundo que não ajudam ¿ observou.

Jones disse esperar que os países vizinhos usem de sua influência com o presidente Hugo Chávez para alertá-lo do perigo do ¿jogo iraniano¿ e de suas graves consequências, não só para a região como para a proliferação nuclear.

Além da questão iraniana, o general evocou o problema nuclear com a Coreia do Norte e definiu ainda outros desafios urgentes, incluídos na nova Estratégia de Segurança Nacional: o reforço da segurança doméstica ¿ com destaque para o terrorismo interno; a consolidação da democracia no Iraque; o fim das ameaças terroristas em Afeganistão e Paquistão, e a resolução do conflito israelo-palestino.

Redução de déficit público para manter poder

No documento, Obama procurou acrescentar elementos pouco comuns a esse tipo de doutrina, como a necessidade de redução do déficit público para a manutenção do poder dos EUA. Também são mencionadas como cruciais a segurança do ciberespaço, com garantias para a privacidade e liberdades civis, as mudanças climáticas e a indesejada dependência de combustíveis fósseis.

Embora de aspectos inovadores no papel e de boas intenções na teoria, a Estratégia de Segurança Nacional certamente não escapará das contradições e surpresas da práxis política.

oglobo.com.br/mundo