Título: Fórum debate liberdade de imprensa no país
Autor: Barbosa, Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 02/06/2010, O País, p. 13
Especialistas criticam cerceamento do trabalho dos jornalistas na Argentina, na Bolívia e na Venezuela
SÃO PAULO. O Brasil passa por um momento importante da sua consolidação democrática, e essa realidade ficou evidenciada mais uma vez durante o III Fórum Liberdade de Imprensa & Democracia, promovido ontem em São Paulo pelo Portal Imprensa.
O evento teve a participação de vários especialistas em comunicação no país.
Para o jornalista Fernão Lara Mesquita, conselheiro e acionista do jornal ¿O Estado de S.Paulo¿, é preciso ter clara qual a função da comunicação, para que haja a interpretação adequada da máxima de que democracia e liberdade de imprensa caminham juntas.
No seu entender, esse objetivo está relacionado ao próprio significado da democracia.
¿ A principal função da imprensa é contar para os representados o que os seus representantes estão fazendo ¿ resumiu Fernão Lara Mesquita.
O ¿Estado de S.Paulo¿ está sob censura, proibido judicialmente de publicar matérias sobre uma operação da Polícia Federal envolvendo o filho do presidente do Senado, José Sarney.
Mesquita disse que o modelo de imprensa no Brasil é o mesmo dos Estados Unidos, de onde foi copiado. A diferença, garantiu, é que os Estados Unidos já nasceram democráticos, enquanto o Brasil ainda consolida a sua democracia.
Para o jornalista Sérgio Dávila, editor-executivo da ¿Folha de S.Paulo¿ e um dos participantes do painel ¿Diálogos sobre a liberdade: múltiplas vozes, um propósito¿, o ¿momento mais importante¿ desse período foi a revogação da Lei de Imprensa, no ano passado.
¿ O momento mais importante foi, em março de 2009, a revogação da Lei de Imprensa, fato que se contextualiza na luta pela liberdade plena de imprensa ¿ disse.
Segundo ele, no entanto, outros fatos, já superados, trouxeram alguma preocupação ao exercício da plena liberdade de imprensa no Brasil, ocorridos durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Um deles, conforme citou Dávila, foi a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo, que não chegou sequer a ser apreciada pelo Congresso Nacional: ¿ Na proposta do Conselho Nacional de Jornalismo estava muito presente a possibilidade de ingerência do Estado.
Durante o dia todo de debates, o III Fórum Liberdade de Imprensa & Democracia, no Centro Cultural da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), apresentou debates e relatos sobre várias realidades, entre as quais a da liberdade de imprensa na Argentina.
Na conferência de abertura, o jornalista Ariel Palácios, correspondente de ¿O Estado de S.Paulo¿ em Buenos Aires, classificou como ¿muito complexa¿ a situação argentina: ¿ O caso da liberdade de imprensa é muito complexo. A Argentina vem da ditadura mais sanguinária da América Latina.
Foram 30 mil civis sequestrados e desaparecidos. Ao todo, foram cem jornalistas assassinados, período em que houve uma censura feroz. E, agora, com o casal Kirchner (Nestor, o ex-presidente, e Cristina, a atual presidenta), o que se poderia chamar de democracia passa por um processo muito forte de desgaste.
Palácios contou que, desde que assumiu o governo, Cristina Kirchner não concedeu sequer uma entrevista coletiva, algo que ele traduz como desrespeito aos meios de comunicação e aos cidadãos, que deveriam ser informados sobre atos do governo: ¿ Um fato que ilustra bem foi a negativa a um pedido de entrevista. ¿Estamos indo bem, agora não precisamos da imprensa. Não precisamos de vocês agora¿, foi a resposta. É a forma como o governo argentino lida com a imprensa.
No encerramento do fórum, o ex-presidente da Bolívia Carlos Mesa, jornalista, disse que seu país vive uma situação ¿intermediária¿ que, comparou, é diferente do que vivem Venezuela, Argentina e Equador.
¿ No caso da Bolívia, os meios de comunicação estão em um ponto intermediário entre o que poderia ser a plena liberdade de expressão e elementos que podem limitar essa liberdade. A Bolívia não vive experiência similar à da Venezuela, que está fechando, por meio de mecanismos do Executivo respaldados pelo Legislativo, meios de comunicação, canais de TV, de cabo.
Nem como a da Argentina e do Equador, que debatem uma lei de meios de comunicação, que é restritiva à ideia de liberdade de expressão.
Presidente da Bolívia de 2003 a 2005, Mesa tem posição crítica em relação ao atual presidente, Evo Morales: ¿ A Bolívia está vivendo o ponto em que o governo decidiu neutralizar os meios de comunicação.