Título: Lula: Israel não tinha o direito de fazer o que fez
Autor: Kresch, Daniela; Martins, Marília
Fonte: O Globo, 02/06/2010, Economia, p. 27

Presidente brasileiro condena ataque, critica falta de diálogo e diz que uso de armas não vai garantir a paz

SÃO PAULO e BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenou ontem o ataque israelense às embarcações que levavam ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Ele afirmou que Israel não tinha o direito de fazer o que fez e disse ainda que dirigentes mundiais precisam aprender a negociar.

Dizendo-se convencido de que não é o uso de armas que vai garantir a paz, Lula aproveitou o tema para ironizar os Estados Unidos em relação às negociações com o Irã. Segundo ele, o Brasil fechou em 18 horas um acordo que os americanos não conseguiram em 31 anos. Sem responder se pretendia intermediar na questão do ataque israelense, Lula reclamou da falta de diálogo.

¿ Eu condeno (a ação de Israel), mas obviamente que um presidente da República tem que ter todas as informações necessárias para poder se pronunciar. Conversei com o ministro Celso Amorim e as informações são de que foi um bombardeio em águas internacionais.

Portanto, Israel não tinha o direito de fazer o que fez, mas vamos esperar as investigações ¿ disse ele, emendando em tom pacificador: ¿ Estou convencido de que não é o uso de armas que vai garantir a paz. O que vai garantir a paz é muita conversa, diálogo e investimento para acabar com a fome. Os dirigentes precisam aprender a dialogar mais ¿ sentenciou.

Pouco antes, em discurso a funcionários da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, o presidente dedicou parte de seu discurso a autoelogios devido às negociações com o Irã. Foi então que ironizou a dificuldade dos Estados Unidos em acertar um acordo com Teerã.

¿ A queixa sempre foi que o Irã não se sentava para negociar.

Aí eu perguntei a todos os líderes internacionais se já tinham conversado com Ahmadinejad.

Todo mundo fala mal do Irã, mas ninguém tinha sentado têteagrave;-tête com ele.

Quando eu fui lá, a imprensa falava que eu era ingênuo, mas conseguimos depois de 18 horas de conversa, o que os Estados Unidos não conseguiram nos últimos 31 anos ¿ disse ele, aplaudido pelos funcionários da montadora.

Amorim volta a criticar reação de Hillary Em Brasília, em nova defesa do acordo assinado por Brasil e Turquia com o Irã, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, criticou a resistência dos Estados Unidos ao documento e acusou a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, de ter demonstrado o tempo inteiro pouca disposição para aceitar a negociação entre os três países. Em depoimento à Comissão de Relações Exteriores do Senado, o chanceler afirmou que continuará defendendo o texto e espera que o Conselho de Segurança da ONU não aplique novas sanções ao Irã.

¿ A primeira pessoa para quem liguei, após assinatura do acordo, na escala do voo em Madri, foi para Hillary. Ela adotou uma posição de não li e não gostei. E, agora, precisa desqualificar o acordo ¿ afirmou Amorim.

O ministro disse também que a resistência de alguns países irá fazer com que ele continue lutando para que o Acordo de Teerã prevaleça, destacando o fato de que o acerto significa o início do diálogo internacional com o governo do Irã. Segundo Amorim, o apoio do Brasil aos iranianos não significa que o governo de Lula não respeitará eventuais novas sanções econômicas ao país decididas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Amorim fez um histórico do programa nuclear do Irã e disse que o presidente Mahmoud Ahmadinejad sempre esteve interessado no acordo. O ministro também afirmou que o presidente americano, Barack Obama, estimulou o presidente brasileiro a se engajar em busca por uma solução ao enviar uma carta a Lula. Amorim leu trechos de artigos de especialistas publicados em jornais estrangeiros, como o ¿Financial Times¿, e até mesmo um editorial do francês ¿Le Monde¿, que elogiavam a iniciativa turco-brasileira e questionavam uma suposta posição dúbia dos EUA, que teriam estimulado os termos do documento e, depois de concluído, condenaram o texto final.

¿ Um especialista escreveu que os EUA mudaram as traves do lugar, numa metáfora ao futebol, que significa que o governo americano mudou de opinião depois do desfecho do acordo em Teerã.

Perguntado se o ataque de Israel aos barcos que levavam ajuda humanitária à Faixa de Gaza poderia, de alguma maneira, favorecer uma decisão contra novas sanções econômicas ao Irã, o ministro Amorim afirmou: ¿ Não me sinto à vontade para falar sobre isso, que uma coisa ruim pode fazer uma coisa boa, o que até acontece.

Não quero pensar sobre isso.