Título: Israel expulsa ativistas
Autor: Kresch, Daniela; Martins, Marília
Fonte: O Globo, 02/06/2010, Economia, p. 27

Após embate entre EUA e Turquia, Conselho de Segurança condena ataque a frota, mas não o país

Especial para O GLOBO* e correspondente ¿ BEER SHEVA, Israel, e NOVA YORK

Diante da pressão internacional e do clima de comoção causado pela morte de nove ativistas estrangeiros no ataque à flotilha que levava ajuda humanitária à Faixa de Gaza, o governo israelense decidiu deportar em até 48 horas os 682 passageiros e tripulantes de 37 países que estavam nos seis barcos do comboio marítimo. O ataque israelense foi condenado pela ONU numa declaração alcançada na madrugada de ontem. Resultado de uma queda de braço entre Estados Unidos e Turquia, o texto, no entanto, não condena Israel e pede uma ¿investigação imparcial¿ onde muitos gostariam de ver escrito ¿ investigação independente¿.

Sob pressão da ONU, da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e da União Europeia para liberar os ativistas, durante todo o dia o governo israelense se dispôs a facilitar seus retornos aos países de origem ¿ desde que assinassem um documento declarando ter entrado ilegalmente em Israel. Mas a maioria recusou. Israel acabou decidindo deportá-los sem processo judicial ¿ também na tentativa de evitar o imbróglio legal que viria ao considerar imigrantes ilegais pessoas que entraram no país sob a mira de fuzis. O governo israelense os considerara, antes, terroristas ligados ao Hamas.

A decisão foi tomada numa reunião de emergência do Gabinete do premier Benjamin Netanyahu, num dia tenso e de alerta máximo por todo o país. Pelas ruas, manifestações ocorreram todo o dia, principalmente em cidades com população árabe.

A decisão de deportar os ativistas inclui também os quatro participantes com passaporte israelense, que foram ameaçados com pesadas ações na Justiça, acusados de atacar os soldados durante a interceptação dos barcos em mar aberto, a 160 quilômetros da costa. Entre eles, o xeque Raed Salah, um dos mais importantes líderes árabeisraelenses do país. Os ativistas negam que tenham atacado os militares, que desceram de helicópteros, armados, antes do amanhecer do dia 31.

¿ Estávamos cientes de que não seria uma simples viagem para entregar produtos em Gaza. Mas não esperávamos esse tipo de brutalidade ¿ disse a ativista alemã Inge Hoeger.

O Brasil pedira a libertação ¿pronta e incondicional¿ da cineasta Iara Lee, a única brasileira detida na Prisão de Ela, em Beer Sheva. A cineasta, que também tem passaporte americano, estava a bordo do navio turco Mavi Marmara, que liderou o comboio. Ela não aceitou assinar o documento israelense, mas com a decisão de ontem deve deixar Israel mais rapidamente.

Já na noite de ontem, 124 dos 629 presos em Beer Sheva foram levados para Amã, na Jordânia. O grupo incluiu apenas os manifestantes de origem árabe. O motivo: Israel não tem voos diretos para países como Síria, Kuwait, Indonésia e Líbano, com os quais não mantém relações diplomáticas. Outros 45 ativistas deixaram Israel ontem. Eles haviam aceitado colaborar com as autoridades. Entre eles, o escritor sueco Henning Mankell, autor de livros de espionagem que venderam mais de 25 milhões de cópias.

Oito pessoas estão internadas.

A condenação internacional fez com que o governo israelense repassasse à Faixa de Gaza as 10 mil toneladas de mantimentos, remédios e materiais de construção que estavam a bordo dos seis navios da frota humanitária. Mas líderes do Hamas, que controlam a região há três anos, rejeitaram o carregamento, enquanto todos os ativistas não forem libertados.

Enquanto os caminhões passavam pelo sul da fronteira, o norte vivia um dia violento. No total, cinco palestinos morreram, ontem, em confrontos com soldados israelenses. De manhã, dois palestinos que conseguiram cruzar a cerca na fronteira foram mortos pelas tropas. No final do dia, a Força Aérea alvejou outros três palestinos, que, segundo os militares, se preparavam para lançar foguetes contra Israel.

Israelenses veem hipocrisia no texto

Numa ligação telefônica, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ofereceu condolências ao primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, já que pelo menos quatro dos cinco mortos no ataque israelense à frota humanitária eram turcos. Obama defendeu ainda a busca ¿de formas de fornecer ajuda à Faixa Gaza sem prejudicar a segurança israelense¿.

Na ONU, os protestos turcos foram contidos pelos americanos e a declaração final do Conselho de Segurança saiu num tom bem mais fraco do que o esperado ¿ e num grau inferior à resolução de condenação. Ao fim de mais de 12 horas de deliberações, o conselho emitiu um texto pedindo a liberação de todos os barcos e ativistas, assim como ¿uma investigação rápida, imparcial, crível e transparente¿.

¿ O que aconteceu foi um massacre, equivalente a bandidagem e pirataria.

Exigimos que Israel peça desculpas, que haja investigação independente e que os responsáveis sejam encaminhados à Justiça ¿ protestara o chanceler turco, Ahmet Davotuglu.

A Turquia esperava uma investigação nos moldes da conduzida por Richard Goldstone sobre Gaza, em 2009.

Já Washington preferia que os israelenses conduzissem as investigações e bloqueou críticas ao país. Representantes de quatro dos cinco membros permanentes pressionaram para que houvesse condenação ao cerco de Gaza, e os americanos permitiram finalmente que o bloqueio fosse mencionado como ¿um ato insustentável¿.

O governo israelense considerou a declaração hipócrita e precipitada.

¿ Esta declaração constitui um gesto automático, baseado unicamente em determinadas imagens de TV, além de uma dose impressionante de hipocrisia ¿ disse Yigal Palmor, porta-voz do Ministério do Exterior israelense.

Por sua vez, o secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, afirmou que o ataque à frota humanitária ¿prova que Israel sente que está acima da lei¿ e chamou o bloqueio a Gaza de crime contra a Humanidade.

¿ Não há desculpa ou justificativa para este tipo de ato.