Título: Hora de revisãov
Autor: Diop, Makhtar
Fonte: O Globo, 03/06/2010, Opinião, p. 7

Para a enorme maioria das pessoas a melhor proteção social é ter um emprego. No Brasil, o robusto crescimento dos últimos anos e a estabilidade macroeconômica tiraram milhões da pobreza e os ampararam na crise financeira internacional.

Mas esse mesmo episódio deixou claro que, além de criar condições para o desenvolvimento através da oferta de trabalho, os governos precisam ter programas que sirvam de amparo para os mais vulneráveis.

Países como Brasil, México e Chile têm experiências de vanguarda nessas áreas. Outras nações da América Latina buscam aprender como melhorar a inclusão e diminuir disparidades e distorções.

Nesse contexto, o Rio sedia uma importante conferência internacional que debaterá inovações e desafios da proteção social na região, patrocinada pelo Banco Mundial, o Ministério de Desenvolvimento Social e a Prefeitura.

No Brasil e na maior parte dos países da América Latina, a proteção social é um direito fundamental dos cidadãos.

Um rápido olhar pela região, onde a crise levou dez milhões de pessoas de volta à pobreza, deixa clara a importância dessas garantias. As falhas na proteção social são trágicas para as pessoas de baixa renda. Necessidades imediatas impostas pela perda de um emprego ou mesmo uma doença podem levar a escolhas que prejudicam o futuro de toda uma família, por exemplo ao deixar de matricular os filhos na escola.

Tornar esses direitos uma realidade é uma tarefa árdua, mas com enorme impacto.

O Brasil empreendeu uma mudança dramática no enfoque de suas políticas nas últimas décadas, com programas como o Bolsa Família, o Fundeb, a previdência rural, a expansão do emprego formal e dos benefícios trabalhistas.

O acerto dessas decisões ficou evidente na crise internacional ¿ o consumo dos beneficiados pelo sistema de proteção social ajudou a absorver o choque e impulsionou o crescimento logo em seguida.

Estima-se que mais de 20 milhões de brasileiros deixaram a pobreza desde 2003 e que a desigualdade de renda tenha sido reduzida em 8%. A eficiência do sistema de proteção social do país foi central para isso.

A experiência brasileira de desenvolvimento econômico com inclusão social ¿ algo que até pouco tempo acreditavase quase impossível ¿ logrou importantes êxitos, mas a pobreza e a desigualdade persistem em níveis altos demais para um país com o potencial do Brasil.

Os programas de proteção social e crescimento são capazes de melhorar o bemestar das pessoas e reduzir a pobreza até certo patamar. Uma abordagem mais abrangente, que também impulsione as pessoas ¿ oferecendo oportunidades quando mais se precisa delas ¿, traria resultados maiores e mais definitivos.

Para tal, é essencial aumentar a coordenação entre os diversos programas e a ligação entre as iniciativas de proteção com a inserção no mercado de trabalho, algo que ainda é frágil na grande maioria dos países da região. Por outro lado, multiplicar o impacto de programas como o Bolsa Família e o Oportunidades, do México, esbarra na concentração de benefícios garantidos a alguns poucos grupos, em particular através do sistema de Previdência. Outro desafio do Brasil e em geral da América Latina é desmontar os subsídios que estimulam a informalidade, e passar a subsidiar a transição para o emprego formal ¿ desenvolvendo o capital humano.

Esta não é uma agenda temporária ou transitória, mas fundamental para quebrar a transmissão da pobreza entre as gerações. A experiência mostra que não são necessários enormes investimentos para transformar as oportunidades disponíveis aos filhos das famílias mais pobres.

Programas de transferência condicional de renda custam menos de 2% do PIB, muito menos do que a região gasta para subsidiar os seus déficits previdenciários.

A região também enfrenta a tarefa de ampliar a cobertura, a equidade e a sustentabilidade dos sistemas de previdência contributiva. A crise global deixou clara a vulnerabilidade das famílias mais pobres e sem acesso ao sistema.

Não há respostas fáceis. Fortalecer os sistemas de proteção social na América Latina exige esforço dos governos. A boa notícia é que a maré já começou a virar.

Em toda a região, e especialmente no Brasil e no Cone Sul, os governos vêm expandindo o seguro social e reduzindo os incentivos à informalidade. O evento no Rio é uma oportunidade única para aprender com o que vem dando certo e o que não funcionou e ajudando a tornar o direito à proteção social uma realidade para todos.