Título: Dando as costas e fortalecendo inimigos
Autor: Kresch, Daniela
Fonte: O Globo, 04/06/2010, O Mundo, p. 26

JORDANIANO QUEIMA bandeira isralense: governo ignora críticas internacionais

Quando a notícia sobre o ataque mortal de fuzileiros israelenses à flotilha começou a circular no Twitter, não retwittei porque parecia implausível. Pensei: Israel não seria tão burro a ponto de usar força letal contra ativistas da paz em águas internacionais, com vários repórteres assistindo.

Mas acabou que Israel pôde ser burro. Foi um tiro no pé, atingindo dedos americanos também, e minando todos os seus objetivos estratégicos de longo prazo.

A israelense Abba Eban disse em 1973: ¿Os árabes nunca perdem uma oportunidade de perder uma oportunidade.¿ A citação repercutiu porque era uma grande verdade.

Os palestinos foram trancafiados durante anos numa autodestrutiva dinâmica de violência e autopiedade que levou ao terrorismo e à intransigência. Sentindo-se incompreendidos, deram as costas à opinião pública mundial, minando a própria causa.

Mas agora, como um rabino disse na minha página do Facebook, é Israel que nunca perde uma oportunidade de perder uma oportunidade.

Com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Israel parece trancafiado numa dinâmica autodestrutiva em que ele se sente incompreendido e dá as costas à opinião internacional. Ele ataca com força, prejudicando seus próprios interesses. Está num caminho que pode ser catastrófico.

Não há dúvida de que Israel enfrenta ameaças existenciais. Isso deve fazer com que seus líderes se foquem, sobretudo, em duas coisas: um tratado árabe-israelense e pressões sobre o Irã para o abandono do programa nuclear.

Isso não é fácil, e um acordo entre palestinos e israelenses pode ser impossível neste momento. Mas Israel poderia tomar outras medidas que fariam disso um acordo mais provável. Nós já sabemos o que seria um acordo final ¿ uma solução de dois Estados e os termos semelhantes aos ¿Parâmetros Clinton¿, propostos por Bill Clinton em 2000.

Israel também poderia cuidar da Turquia, um jogador importante no esforço para pressionar o Irã. Em vez disso, está atacando um navio de bandeira turca em águas internacionais, num enorme revés pelos esforços a novas sanções contra o Irã. Um grande vencedor do fiasco desta semana foi o regime iraniano.

Israel também está contrariando a sua base de apoio nos Estados Unidos, que é essencial para protegê-lo das ameaças existenciais.

Peter Beinart escreveu um poderoso artigo na mais recente edição da revista ¿New York Review of Books¿, o qual explora a forma como jovens judeus nos EUA se identificam muito menos com Israel do que os mais velhos. Beinart destaca que mesmo um aluno da Universidade Brandeis, que mantém fortes vínculos judaicos, rejeitou uma resolução que comemora o 60º aniversário de Israel.

As políticas linha-dura de Israel estão esgotando capital internacional dos Estados Unidos, assim como o seu próprio. O general David Petraeus observou há dois meses que a percepção de que os Estados Unidos favorecem Israel aumenta o antiamericanismo e dá forças à al-Qaeda.

Para muitos israelenses, tudo isso parece uma injustiça profunda. Israel é uma democracia próspera que se retirou de Gaza, mas ainda é ameaçada por mísseis do norte e do sul. Então, Israel e os que o apoiam tendem a ignorar as críticas de fora e as classificam de injustas e antissemitas, adotando soluções unilaterais baseadas na força. Como o jornal ¿Haaretz¿ sugeriu, Israel agora está ¿perdido no mar¿.

NICHOLAS KRISTOF é colunista do New York Times