Título: Israel promete barrar navio irlandês
Autor: Kresch, Daniela
Fonte: O Globo, 04/06/2010, O Mundo, p. 26

Governo estuda aliviar bloqueio a Gaza, rejeita investigação internacional, mas aceita observadores Especial para O GLOBO

Numa reunião de emergência de seu gabinete de segurança, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, decidiu que não deixará o navio irlandês Rachel Corrie chegar à Faixa de Gaza com ajuda humanitária, o que furaria o bloqueio ao território. A decisão veio três dias depois de soldados israelenses interceptarem um comboio marítimo com destino à Gaza, numa ação que terminou com a morte de oito ativistas turcos e um americano de origem turca, lançando o governo Netanyahu numa crise diplomática.

Mais cedo, Netanyahu deu a entender que vai relaxar as condições do bloqueio, pelo menos no que se refere ao tráfego marítimo. Em encontro com Tony Blair, o enviado especial ao Oriente Médio do Quarteto (grupo formado por Rússia, União Europeia, ONU e Estados Unidos), o premier disse que está estudando ¿meios criativos¿ para permitir a entrada de ajuda humanitária no território palestino sem, no entanto, abrir caminho ao contrabando de armas. Israel rejeita uma comissão independente para investigar as mortes no Mavi Marmara, mas o chanceler Avigdor Lieberman disse ontem que a comissão de inquérito israelense poderia incluir observadores internacionais.

O Rachel Corrie leva 500 toneladas de produtos como cimento, cadernos, remédios e brinquedos. Ele estava ontem a 200 milhas da costa israelense, devendo chegar ao país na noite de hoje ou na manhã de sábado. A bordo estão 20 ativistas, entre eles a prêmio Nobel da Paz Mairead Corrigan-McGuire e o diplomata Dennis Halliday, exassessor do secretário-geral da ONU.

¿ Não permitiremos que o navio entre em Gaza ¿ teria dito Netanyahu, segundo uma fonte.

Netanyahu, no entanto, pediu que os militares sejam ¿cautelosos e educados¿ ao abordarem o navio. Como alternativa, Israel sugeriu ao Rachel Corrie que a carga seja levada a um porto do país e de lá o governo a enviaria à Faixa de Gaza.

¿ Chegaremos a Gaza. Nada nos deterá ¿ afirmou Halliday, sem esconder o nervosismo, à imprensa espanhola.

¿ Claro que temos medo, mas acreditamos que os israelenses tomarão o barco sem violência.

Bloqueio terrestre seria mantido

O premier parece ter se curvado à pressão internacional, principalmente americana, depois do fiasco da operação militar que causou nove mortes no navio turco Mavi Marmara, que tentava furar o bloqueio a Gaza, em vigor há três anos. Ele estaria disposto até mesmo a aceitar a ajuda de organismos internacionais na inspeção às embarcações com destino a Gaza.

A ideia de flexibilizar o bloqueio marítimo ¿ mantendo o terrestre ¿ foi dada pelos americanos. Seria uma forma de aliviar as críticas a Israel e, quem sabe, evitar a criação de uma comissão de inquérito internacional para investigar as mortes no navio.

Netanyahu defende uma investigação interna, sem intervenção internacional.

Ele quer evitar a todo custo a criação desse tipo de comissão, principalmente depois da que foi instituída pela ONU para investigar o conflito na Faixa de Gaza, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009. O resultado foi o Relatório Goldstone, que acusou Israel de ¿crimes de guerra¿.

No entanto, o chanceler Lieberman sugeriu que a comissão investigadora israelense pode aceitar observadores internacionais ¿ uma sugestão do vicepresidente americano, Joe Biden.

¿ Sou a favor de uma investigação.

Temos especialistas de alto nível.

Se eles quiserem ter observadores de fora, podem convidá-los ¿ disse Lieberman.

Uma investigação internacional divide os israelenses. Moshe Yaalon, parlamentar do Likud, partido do governo, se opõe claramente.

¿ Aos que pedem uma investigação internacional, é preciso dizer sem gaguejar: Israel é um país soberano e independente, não uma ¿república das bananas¿ ¿ atacou.

Outro que se opõe a uma comissão de estrangeiros é o ministro da Defesa, Ehud Barak, do Partido Trabalhista. A assessores, Barak tem dito que não vai deixar que soldados sejam humilhados e acusados.

Barak se encontrou ontem com o enviado especial americano, George Mitchell, que chegou ao Oriente Médio para tentar salvar as recém iniciadas negociações de paz indiretas entre israelenses e palestinos. Mitchell pediu aos dois lados que não deixem que o caso da flotilha ¿mine o pequeno mas significativo progresso feito¿.

Apesar da oposição de Barak e de Netanyahu, há quem aceite a intervenção internacional, o que evidencia uma certa desunião na cúpula do país.

É o caso do ministro do Comércio, Benjamin Ben-Eliezer: ¿ Sou a favor da uma investigação internacional. Não temos nada a esconder ou a temer. Está tudo aberto, tudo transparente ¿ garante.

Críticos ao governo defendem o uma investigação com participação de estrangeiros. É o caso do ex-parlamentar Yossi Sarid: ¿ Se Barak não quer uma investigação internacional é porque tem algo a esconder. Os soldados realmente estavam fazendo seu trabalho. Quem errou foi Barak. É ele quem tem que sentar no banco dos réus ¿ diz.

Outros apoiam o governo. Em Tel Aviv, mil israelenses protestaram diante da Embaixada da Turquia, país de onde era a maioria dos ativistas do Mavi Marmara. Alguns manifestantes chegaram a chamar o premier turco, Recep Tayyip Erdogan, de terrorista.

Enquanto os israelenses discutem os próximos passos, o grupo radical Hamas, que controla a Faixa de Gaza há três anos, rejeitou a transferência de 20 caminhões com ajuda humanitária para o território através de um dos postos de fronteira com Israel.

Trata-se justamente das 10 mil toneladas dos seis barcos da frota humanitária que tentou chegar à Gaza na segunda-feira, e foi barrada pela Marinha israelense. Através de portavozes, o grupo alegou que Israel ainda mantém presos alguns dos participantes da frota e que confiscou produtos como cimento e outros materiais de construção.